21 setembro 2014

Sobre proximidades e estranhamentos




Passaram três semanas sem qualquer registro neste espaço de crônicas, o que costuma ser uma raridade. Já aconteceu por falta de inspiração para a escritura, ou por alguma longa viagem, desta vez foi pela sobreposição de tarefas acadêmicas. Uma delas, um trabalho que me estimulou a cumprir, sobre os corridos revolucionários mexicanos, apresentado nesta semana no MusiMid. Concentrei-me na mítica figura de Pancho Villa e sus dorados, como eram chamados seus soldados, a lenda ganhando forma nos campos de batalha e sendo contada e cantada pela gente humilde, até alcançar as páginas de Juan Rulfo, Mariano Azuela e John Reed. Foi um trabalho que me conquistou por seus surpreendentes desdobramentos, revelando inúmeros aspectos desconhecidos da revolução e produzindo tanto lendas espetaculares como los aigoplanos de Villa atacando os soldados estadunidenses, como fatos impressionantes como las soldaderas, ou valentinas, histórias de mulheres que lutaram na revolução. Abaixo destaco um trecho do texto apresentado no evento, e que considero inacabado:

(...)
"Essa intensidade vívida e latente, não tão precisa ou exata, mas com boa dose de zombaria verifica-se, por exemplo, no corrido La Persecución de Villa, leitura popular sobre a expedição punitiva que o exército dos Estados Unidos realizou em território mexicano, como represália à invasão das tropas de Francisco Villa a Columbus, em março de 1916. Conheço três versões cantadas, Los Hermanos Záizar, Los Alegres de Téran e a de Antonio Aguilar, porém considero a versão de Ignácio López Tarso a mais bela e contundente por sua declamação à maneira de poema épico. Como todo registro oral, o texto possui inúmeras versões, introduzidas ao sabor do tempo e do lugar. Abaixo, a versão narrada por López Tarso,

Patria México, febrero veintitrés,
dejó Carranza pasar americanos,
dos mil soldados, doscientos aeroplanos,
buscando a Villa, queriéndolo matar.

Después Carranza les dijo afanoso:
si son valientes y lo quieren combatir,
concedido, les doy el permiso,
para que así se enseñen a morir.

Comenzaron a echar expediciones,
los aeroplanos comenzaron a volar,
por distintas y varias direcciones,
buscando a Villa, queriéndolo matar.

Los soldados que vinieron desde Texas
a Pancho Villa no podían encontrar,
muy fastidiados de ocho horas de camino,
los pobrecitos se querían regresar.
(...)

Comenzaron a lanzar sus aeroplanos,
entonces Villa, un buen plan les estudió:
se vistió de soldado americano
y a sus tropas también las transformó.

Mas cuando vieron los gringos las banderas
con muchas barras que Villa les pintó,
se bajaron con todo y aeroplanos
y Pancho Villa prisioneros los tomó.
(...)

Todos los gringos pensaban en su alteza
que combatir era un baile de carquís,
y con su cara llena de vergüenza
se regresaron en bolón a su país.

Neste corrido há passagens infladas pela lenda popular enaltecendo o mito Pancho Villa. A primeira, os registros históricos não confirmam a presença de “doscientos aeroplanos” na busca de Villa. Conforme Silva Herzog, “[O governo dos EUA] ordenou que o general John Pershing cruzasse a fronteira comandando poderosa coluna e penetrasse o Estado de Chihuahua em perseguição a Francisco Villa” (Herzog, 1995, p.223). Foi denominada “expedição punitiva” e que redundou em duas escaramuças entre tropas estadunidenses e grupos villistas, com baixas em ambos os lados. Não há referência a nenhum avanço aéreo, o que não impede que o corrido descreva com graça que o próprio Pancho Villa sobrevoe as tropas invasoras (entonces Villa les pasa en su aeroplano/y desde arriba les dijo, Gud Bay), escarnecendo com o fracasso da missão.

A seguir o ardil é mais sofisticado, Villa se veste de soldado americano e expõe bandeiras do país (con muchas barras les pintó) fazendo com que os aviões pousem e os inimigos, aprisionados. O curioso foi que a história dos aviões villistas ultrapassou fronteiras e ganhou uma versão cinematográfica pela Paramount Pictures, em 1968, com o filme Villa Rides, com Yul Brinner no papel de Francisco Villa". (...)

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Também por esses dias estive envolvido na preparação de um projeto dramatúrgico que concorre a uma bolsa da Secretaria do Estado. Não foi fácil, ele se encontra muito cru e nem mesmo título definitivo possui, mas organizei as ideias disponíveis indicando a sinopse, a estrutura visualizada para a peça em seus dois atos, alguns elementos cenográficos como iluminação, figurinos, personagens. Refere-se grosso modo ao drama que afeta um personagem, sua família e sua comunidade, submetidos a uma guerra sem fim. Trata-se de uma ideia que estava há muito tempo adormecida, com poucas chances de voltar ao proscênio, mas com o concurso, surge a chance de escrevê-la e mais, publicá-la e narrá-la para jovens estudantes, com a possibilidade de montá-la. Seria uma realização pessoal, uma conquista de uma proposta ao melhor estilo do engagement político sartreano, algo que não abandona a cena da minha vida. 

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Novas eleições presidenciais se aproximam e como é natural o envolvimento ocorre, embora de modo diferente de quatro anos atrás. Agora atuo com menos ansiedade, bastante próximo de pessoas afinadas com a proposta política da reeleição de Dilma, mais preparado para a desinformação midiática e muito disposto em assumir o debate político nos espaços sociais em que atuo, argumentando e divulgando os benefícios deste governo. Ainda que seja uma luta áspera assumir-se governista em uma realidade que vibra com a denúncia fabricada nas oficinas dos veículos corporativos, vale a pena a briga desta vez pelos resultados alcançados ao longo de 12 anos. Ainda que as capas das revistas e as manchetes dos jornais continuem insuflando "escândalos", o trabalho de contra-informação nas redes sociais tem sido mais articulado, de modo que as respostas construtivas se mostram inspiradas para ao menos questionar farsas e oportunismos de ocasião.

Incomoda-me mais hoje as pessoas que, muitas vezes isoladas no rancor pelo senso comum, se deixam levar pelo discurso pessimista. Como as mulheres que cortaram a minha frente em certa livraria e instilavam o desprezo a tudo que fosse PT... Ou aqueles professores que encontrei no elevador certa noite, animados a alimentar a dúvida sobre as vítimas das torturas no regime militar... Ou ainda como o dono do café que, no improviso, lança impropérios exaltados a um atônito cliente, que ousou elogiar a atuação do prefeito Haddad... Manifestações que têm em comum a virulência desmedida, formuladas pelo senso comum que, repito, as isola em um ódio paralisante. Nada é capaz de vicejar a partir dessa postura, a não ser a presunção que corrói os valores e as identificações comunais, enquanto abre os braços para imprecisas aventuras.



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