A noite se faz mais escura que de costume, pois a vejo diante de mim, absoluta, quebrada por um punhado de luzinhas tremeluzentes ao longe. O silêncio da cidade desconhecida não me assusta, não estou cansado ou mesmo deslocado. Não me sinto no meu lugar, e não me esforço em torná-lo, após a superação do estranhamento, simpático. Na verdade, não sei o que faço aqui. Nas inúmeras viagens que realizei por tantas partes, o momento mais ingrato sempre foi a chegada, e o mais triste, a partida, e assim foi em todos os lugares, pequenos, grandes, confusos, atraentes, feios, bonitos. Era difícil superar o inesperado na chegada e a amargura da partida. Desta feita, o estranhamento não se desfaz e prolonga-se já como amargura. Sentimentos muito sutis, que vão e veem, sem se incomodar comigo. Permaneço em compasso de espera, os textos e livros se espalham pelo quarto, deveria estar mergulhado em estudo, por certo preservo alguma sensatez, farei alguma leitura daqui a pouco, e desvanecerei em sono. Me aguardam amanhã para oferecer uma chance, nada dirão de agradável, o que de fato não é um problema, nada prometerão e em três ou quatro dias jamais saberão que encontraram a mim e a todos os que estiverem ali, em busca da mesma chance. Amenizo a espera incerta ouvindo um misto de Rolling Stones, Chico, B.B.King, em um quarto iluminado por uma claridade vaga que provém da marquise do oitavo andar. Distante de minha querida, vou me esforçar para realizar esforços minimamente competentes. Vou já descer para recolher as cópias dos documentos que submeterei aos homens sem rosto e tão desnecessários. Mas não vim até aqui para pensar coisas chatas, nem tampouco para elucubrar. Afasto-me por uma semana de meus alunos, mas até isso me soa artificial agora. Há uma brisa que ensaia delicadeza, esgueirando pelo quarto, deixando-me com meus pensamentos. Retomar as leituras que me fazem um pouco mais vivo e completo, por aí espalhados estão Cesar Sandino, Prebisch, Cárdenas, Carpentier, eles me dão um bom motivo para estar aqui. E minha querida amada, que me entusiasma nos projetos, que me faz falta. Por nossas conversas, pela musicalidade, pelas boas e divertidas verdades... Foi muito fácil chegar até aqui, mas será muito complicado sair, haverá um tempo de espera que parecerá eterno, sem ser ameaçador ou ingrato, como um passeio em torno de uma ratoeira de mentira, que anuncia despreocupada o fim de qualquer ilusão, o que também pode ser uma mentira. É isso, estar aqui não me confirma a realidade nem a ficção, não é possível fazer mais do que esperar, para saber se o que vai acontecer será bom ou meramente desnecessário...
28 setembro 2014
21 setembro 2014
Sobre proximidades e estranhamentos
Passaram três semanas
sem qualquer registro neste espaço de crônicas, o que costuma ser uma raridade.
Já aconteceu por falta de inspiração para a escritura, ou por alguma longa
viagem, desta vez foi pela sobreposição de tarefas acadêmicas. Uma delas, um trabalho
que me estimulou a cumprir, sobre os corridos revolucionários mexicanos,
apresentado nesta semana no MusiMid. Concentrei-me na mítica figura de Pancho
Villa e sus dorados, como eram chamados seus soldados, a lenda
ganhando forma nos campos de batalha e sendo contada e cantada pela gente
humilde, até alcançar as páginas de Juan Rulfo, Mariano Azuela e John Reed. Foi
um trabalho que me conquistou por seus surpreendentes desdobramentos, revelando
inúmeros aspectos desconhecidos da revolução e produzindo tanto lendas
espetaculares como los aigoplanos de Villa atacando os
soldados estadunidenses, como fatos impressionantes como las
soldaderas, ou valentinas, histórias de mulheres que
lutaram na revolução. Abaixo destaco um trecho do texto apresentado no evento,
e que considero inacabado:
(...)
"Essa
intensidade vívida e latente, não tão precisa ou exata, mas com boa dose de
zombaria verifica-se, por exemplo, no corrido La
Persecución de
Villa, leitura popular sobre a expedição punitiva que o exército dos Estados
Unidos realizou em território mexicano, como represália à invasão das tropas de
Francisco Villa a Columbus, em março de 1916. Conheço três versões cantadas,
Los Hermanos Záizar, Los Alegres de Téran e a de Antonio Aguilar, porém
considero a versão de Ignácio López Tarso a mais bela e contundente por sua
declamação à maneira de poema épico. Como todo registro oral, o texto possui
inúmeras versões, introduzidas ao sabor do tempo e do lugar. Abaixo, a versão narrada por López Tarso,
Patria México, febrero veintitrés,
dejó Carranza pasar americanos,
dos mil soldados,
doscientos aeroplanos,
buscando a Villa, queriéndolo matar.
Después Carranza les dijo afanoso:
si son valientes y lo quieren combatir,
concedido, les doy el permiso,
para que así se enseñen a morir.
Comenzaron a echar expediciones,
los aeroplanos comenzaron a volar,
por distintas y varias direcciones,
buscando a Villa, queriéndolo matar.
Los soldados que vinieron desde Texas
a Pancho Villa no podían encontrar,
muy fastidiados de ocho horas de camino,
los pobrecitos se querían regresar.
(...)
Comenzaron a lanzar sus aeroplanos,
entonces Villa, un buen plan les estudió:
se vistió de soldado americano
y a sus tropas también las transformó.
Mas cuando vieron los gringos las banderas
con muchas barras que Villa les pintó,
se bajaron con todo y aeroplanos
y Pancho Villa prisioneros los tomó.
(...)
Todos los gringos pensaban en su alteza
que combatir era un baile de carquís,
y con su cara llena de vergüenza
se regresaron en bolón a su país.
Neste corrido há
passagens infladas pela lenda popular enaltecendo o mito Pancho Villa. A
primeira, os registros históricos não confirmam a presença de “doscientos
aeroplanos” na busca de Villa. Conforme Silva Herzog, “[O governo dos EUA]
ordenou que o general John Pershing cruzasse a fronteira comandando poderosa
coluna e penetrasse o Estado de Chihuahua em perseguição a Francisco Villa”
(Herzog, 1995, p.223). Foi denominada “expedição punitiva” e que redundou em
duas escaramuças entre tropas estadunidenses e grupos villistas, com baixas em
ambos os lados. Não há referência a nenhum avanço aéreo, o que não impede que o
corrido descreva com graça que o próprio Pancho Villa sobrevoe as tropas
invasoras (entonces Villa les pasa en su aeroplano/y desde arriba les dijo, Gud
Bay), escarnecendo com o fracasso da missão.
A seguir o ardil é
mais sofisticado, Villa se veste de soldado americano e expõe bandeiras do país
(con muchas barras les pintó) fazendo com que os aviões pousem e os inimigos,
aprisionados. O curioso foi que a história dos aviões villistas ultrapassou
fronteiras e ganhou uma versão cinematográfica pela Paramount Pictures, em
1968, com o filme Villa Rides, com Yul Brinner no papel de Francisco
Villa". (...)
-0-
Também por esses dias
estive envolvido na preparação de um projeto dramatúrgico que concorre a uma
bolsa da Secretaria do Estado. Não foi fácil, ele se encontra muito cru e nem
mesmo título definitivo possui, mas organizei as ideias disponíveis indicando a
sinopse, a estrutura visualizada para a peça em seus dois atos, alguns
elementos cenográficos como iluminação, figurinos, personagens. Refere-se grosso
modo ao drama que afeta um personagem, sua família e sua comunidade,
submetidos a uma guerra sem fim. Trata-se de uma ideia que estava há muito
tempo adormecida, com poucas chances de voltar ao proscênio, mas com o
concurso, surge a chance de escrevê-la e mais, publicá-la e narrá-la para
jovens estudantes, com a possibilidade de montá-la. Seria uma realização
pessoal, uma conquista de uma proposta ao melhor estilo do engagement político
sartreano, algo que não abandona a cena da minha vida.
-0-
Novas eleições
presidenciais se aproximam e como é natural o envolvimento ocorre, embora de
modo diferente de quatro anos atrás. Agora atuo com menos ansiedade, bastante
próximo de pessoas afinadas com a proposta política da reeleição de Dilma, mais
preparado para a desinformação midiática e muito disposto em assumir o debate
político nos espaços sociais em que atuo, argumentando e divulgando os benefícios
deste governo. Ainda que seja uma luta áspera assumir-se governista em
uma realidade que vibra com a denúncia fabricada nas oficinas dos veículos
corporativos, vale a pena a briga desta vez pelos resultados alcançados ao
longo de 12 anos. Ainda que as capas das revistas e as manchetes dos jornais
continuem insuflando "escândalos", o trabalho de contra-informação nas
redes sociais tem sido mais articulado, de modo que as respostas construtivas
se mostram inspiradas para ao menos questionar farsas e oportunismos de ocasião.
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