31 agosto 2014

Erroll Garner


Não conhecia o trabalho de Erroll Garner até a semana passada, quando tarde da noite, ao chegar das aulas, pude acompanhar au hasar a parte final de uma apresentação de seu grupo, gravada na Suécia, 1964. O tempo todo sorrindo, movendo o rosto para o lado da câmera principal, que inicia a gravação em um plano geral e lentamente se aproxima de Garner até enquadrá-lo em primeiro plano. Além dela, mais duas câmeras, uma atrás e outra à frente, que registram o fundo do cenário e seus dois companheiros, Eddie Calhoun no baixo e Kelly Martin na bateria. Demonstram um renovado prazer a cada frase musical, fazendo de seus instrumentos a aproximação com o público. É uma delícia acompanhar Erroll Garner em sua habilidade no teclado, destacando-se ao mesmo tempo como músico e protagonista da narrativa imagética. Para mim é um deleite assistir a essas apresentações de jazz dos anos 1950/60, marcadas por características muito específicas e que lhes confere uma aura mágica, a começar pelo jogo de luzes ambientes, que imprimem o inconfundível chiaroscuro desenhando o cenário. Cada diretor estabelece o seu estilo, valorizando a mise-en-scène do artista com uma densa e elaborada sequência de imagens. As gravações sempre em preto e branco costumavam ocorrer na presença de um pequeno público, normalmente com as três câmeras que a movimentar-se não mais que o suficiente para definir novos enquadramentos, com longas tomadas em primeiro plano. É comum a captura da entrega do músico, com o close das expressões faciais pontilhadas de suor. Na apresentação de Erroll Garner, por duas vezes percebemos o músico se ajeitando sobre listas telefônicas, cujo improviso aparentemente solucionou um problema de acomodação. Simplicidade aliada a alta técnica e ao mero prazer. Uma canção após outra, a performance que não se enquadra na rigidez convencional da época, os olhares atentos de uma pequena plateia bem-comportada. Ao final, identifico uma linda interpretação do Samba de uma nota só, do nosso Tom Jobim. 


18 agosto 2014

Imagens de Lima


Basílica Catedral de Lima y Primada del Perú



Panorama Plaza Mayor



Av. Jose Larco



Pontificia Universidad Catolica - PUCP (parcial)



Abertura - Congreso ALAIC 2014



Huaca Puclliana (visión nocturna)



Miraflores (parcial) y el mar



17 agosto 2014

Lima, Peru


O silêncio nestes dias se deu em razão da viagem à Lima, para preparação e apresentação de texto no XII Congreso da Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación - ALAIC, na bela e acolhedora Pontifícia Universidade Católica do Peru. Acomodei-me no distrito de Miraflores, a mais ou menos trinta minutos de táxi da Plaza Mayor, o centro histórico da cidade. O clima úmido e relativamente frio, com dias permanentemente encobertos, mais o trânsito carregado fez com que permanecesse mais tempo nos interiores. A visão do mar normalmente era limitada a umas poucas centenas de metros pelo constante nevoeiro. Apenas no último dia foi possível apreciá-lo mais extensamente, ainda que em uma coloração mais plúmbea do que seu natural azul. 

Foram cinco dias de convívio com pesquisadores de diversas universidades brasileiras e sul-americanas, e a possibilidade também de conhecer um pouco da realidade cotidiana de uma das grandes metrópoles de nosso continente. Um tempo muito curto para sentir a dimensão desta imensa cidade, principalmente as particularidades de seu espaço geográfico como as áreas mais periféricas e as características das culturas de sua gente.

O tempo se dividiu em duas espacialidades, dentro e fora da PUCP. Uma parte do dia, pela manhã, acompanhamos mesas redondas sobre temas relacionados à comunicação na América Latina, e ao longo das tardes, participamos dos debates proporcionados pelos grupos de trabalhos. Na outra parte do dia, normalmente à noite, me dedicava na preparação da apresentação do texto que escrevi juntamente com a professora e pesquisadora Mônica Nunes, Procissões, Hip Hop e Cosplay - Representações do negro na cena brasileira, e quando possível, ao saudável encontro com outros pesquisadores, brasileiros e peruanos.

-O-

PROCISSÕES, HIP HOP e COSPLAY – Representações do negro na cena brasileira
(trechos iniciais)

INTRODUÇÃO

Este trabalho apresenta, pontualmente, a contextualização histórica das representações socioculturais de parcela da população negra no Brasil, por meio de cenas pictóricas e descrições literárias do período colonial e moderno, para trazer elementos de herança da sociedade escravista que persistem e as formas de negociação e criação de estratégias de visibilidade desenvolvidas por negros em cenas contemporâneas, como o hip hop e a cena cosplay. Consideramos que o espaço simbólico da festa e a teatralização pública são cenários para a construção destas representações.
(...)

    1.  PRESENÇA DOS NEGROS NAS FESTIVIDADES DO BRASIL COLÔNIA

           Os registros textuais e iconográficos de nossa história colonial e mesmo do primeiro e segundo Império demonstram a alegre participação popular em festas e procissões. No Brasil Colônia, a escassa população de colonos, marcados por uma vida ociosa, sobretudo, para aqueles que podiam dispor do trabalho escravo, a princípio indígena e mais tarde negros vindos da Guiné, procuravam preencher o tempo de maneira festiva, “aberta a tudo que pudesse torná-la divertida” (Tinhorão, 2000, p.40). O regresso da frota de Mem de Sá, vitorioso contra os franceses, foi o auge de uma longa festividade que envolveu a cidade de Salvador, então com menos de mil habitantes. São representações artísticas que trazem jogos, corridas de touros e mesmo reproduções de equitação da nobreza, já entronizando a teatralização das festas públicas, muito comuns na colônia no século XVII. Já temos com Frans Post, durante a ocupação holandesa do nordeste, ilustrações da vida cotidiana documentando rodas de dança de negros, sua música e seus folguedos. Com o processo de dramatização das histórias sagradas, dos princípios do Evangelho, sobrevém a incorporação das camadas mais baixas, incluindo aqui negros e mestiços.
Com a expansão das festividades do espaço da igreja para as ruas, ocorre um “deslocamento da diretriz religiosa (...) para objetivos profanos” (op.cit., p.67), com o intuito da representação do poder secular, ou meramente da diversão. A teatralização dos temas bíblicos no espaço público e o apelo popular chamam a atenção de cronistas e viajantes da época, como o francês Pyrard de Laval, que se surpreende com a grande presença de negros escravos divertindo-se nas ruas e praças. Já não se apresentam escondidos sob os trajes alegóricos, mas participam ativamente das procissões sob a forma de “bandos mascarados, músicos e dançarinos”, em manifestações animadas, cujas representações corporais e sonoras eram contagiantes.
(...)

04 agosto 2014

O fascínio de uma revolução


Zapata e Villa chegam à cidade do México, 1914


Neste mais recente projeto de artigo, estudo os corridos villistas, um recorte da epopeia que foi a revolução mexicana a partir das trovas populares produzidas no fragor das campanhas. É um período impressionante, rico em desdobramentos, bastou-me adentrar o labirinto da revolução para deparar com a riqueza do tema. Não me bastou tomar a leitura dos historiadores, e considerei de início duas obras de autores mexicanos, Marte Gomez e Silva Herzog e logo me lancei aos textos literários, de participação direta, olhares afinados aos detalhes do cotidiano trazidos por Mariano Azuela, John Reed, Juan Rulfo... Mas também adentrei a leitura conceitual de Octavio Paz, análises tão poéticas e concludentes de sua pátria, e sem esquecer a base metodológica, o texto de Vicente Mendoza e as audições dos corridos... Não tem fim, trata-se de um acontecimento que nos captura por tantos desdobramentos, tantas contradições e ao mesmo tempo tantas fidelidades! Seja qual lado se tome, e há diversos, nos embrenhamos em narrativas que nos trazem o sol cáustico das jornadas, a entrega desatinada na luta ou na fuga, a cantoria saudosa nas noites calmas, onde o imaginário se elabora nas armadilhas das visões míticas... E muito disso provém da oralidade, as novidades que ultrapassam as cavalgadas e se derramam nos vilarejos, para as devidas interpretações. Neste universo íngreme, que incorpora contingentes de camponeses em todo o país, alistados em batalhões villistas, zapatistas, huertistas, maderistas, constitucionalistas, federalistas, partes de um todo que se dividem e recompõem alianças, sobressai os traços de uma cultura poderosa, como a mexicana. Se por tantos anos, sob a ditadura porfirista, ela esteve vigiada, controlada, com a revolução ela explode trazendo junto as diferenças políticas por décadas abafadas. Que fazer senão deixarmo-nos levar pelas canções e com elas recriar uma época em que um país renasceu da solidão de seu labirinto.

Escrevo premido pelo tempo, chega a hora de largar a escrita. Tanto por dizer em minha empolgação... mas a viagem à Lima, Peru, me solicita. Mais adiante falarei sobre as mulheres da revolução, as adelitas o soldaderas, que ficaram imortalizadas pelas canções populares.