14 outubro 2013

Continuidade dos parques


por Julio Cortázar


Havia começado a ler a novela uns dias antes. Abandonou-a pelos negócios urgentes, retomou-a quando regressava de trem à fazenda; se deixava envolver lentamente pela trama, pelo desenho dos personagens. Nessa tarde, depois de escrever uma carta ao seu representante e discutir com o mordomo uma questão de contratos, voltou ao livro sob a tranquilidade do estúdio que se abria ao parque de carvalhos. Recostado em sua poltrona favorita, de costas para a porta que o havia molestado com a irritante possibilidade de intrusões, deixou que sua mão esquerda acariciasse de ora em vez o veludo verde e se pôs a ler os últimos capítulos. 

Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a ilusão romanesca tomou-o logo em seguida. Gozava do prazer quase perverso de ir se apartando linha a linha do que o rodeava, sentindo assim que sua cabeça descansava comodamente no veludo da poltrona de alto recosto, que os cigarros seguiam ao alcance da mão, que mais além das amplas janelas dançava o ar do entardecer sob os carvalhos. Palavra por palavra, absorvido pela sórdida opção dos heróis, entregava-se às imagens que se organizavam e adquiriam cor e movimento, foi testemunho do último encontro na cabana da montanha. 

Primeiro entrava a mulher, receosa; agora chegava o amante, rosto ferido pelo chicotaço de uma ramagem. Ela estancava carinhosamente o sangue com seus beijos, ele porém rechaçava as carícias, não tinha vindo para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e caminhos furtivos. O punhal se aninhava contra seu peito, e por baixo bradava a liberdade ocultada. Um diálogo ofegante corria pelas páginas como um caudal de serpentes, e se sentia que tudo estava decidido desde sempre. Mesmo estas carícias que enredavam o corpo do amante como desejando retê-lo e dissuadi-lo desenhavam abominavelmente a figura de outro corpo que era necessário destruir. Nada havia sido esquecido: pretextos, acasos, possíveis equívocos. A partir desta hora cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. O duplo repasse despiedoso se interrompia apenas para que uma mão acariciasse o rosto. Começava a anoitecer.

Sem que se olhassem, atados rigidamente à tarefa que os esperava, separaram-se na porta da cabana. Ela devia seguir pelo caminho que dava ao norte. Desde a senda oposta ele se voltou um instante para vê-la correr com os cabelos soltos. Correu por sua vez, protegendo-se sob as árvores e as sebes, até distinguir através da bruma rosácea do crepúsculo a alameda que conduzia à casa. Os cães não deviam ladrar, e não ladraram. O mordomo não estaria a esta hora, e não estava. 

Subiu os três degraus da varanda e entrou. Com o sangue galopando em seus ouvidos, alcançavam-lhe as palavras da mulher: primeiro uma sala azul, depois uma galeria, uma escada atapetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro cômodo, ninguém no segundo. A porta da sala, e então o punhal na mão, a luz das grandes janelas, o alto recosto de uma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo um romance.

(extraído e traduzido da obra Final del Juego, Buenos Aires: Santillana Ediciones Generales, 2008) 


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