07 junho 2013

Notas para um esboço fenomenológico da cidade


(...) as partes novas, diferentes, nos estimula a reconhecê-las como parte do todo, a torná-las de algum modo familiar, solicitando que as percorramos continuamente. Em outras palavras, a consciência imaginante torna-se consciência perceptiva; o distante torna-se próximo; o inacessível torna-se apropriado. Aqui, tomando-se o inacessível como sinônimo de inalcançável pelas outras formas de percepção que não seja a obtida pelo percurso in loco. Em suma, pelo percurso de uma determinada espacialidade e através de minha intencionalidade em desvendar essa espacialidade presenciada, transformo o lugar desconhecido em lugar conhecido. O não-lugar transforma-se em lugar .
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O não-lugar para nós pode-se definir não como o lugar impessoal, o lugar de passagem, porque ainda estes se definem como um lugar percepcionado pelo indivíduo que o cruza. O não-lugar poderia melhor se definir como o lugar não conhecido, o lugar não presenciado, mas ainda assim, não tomando-o como um espaço inexistente, apenas imaginado. Refiro-me aqui à relação direta indivíduo-espaço, onde o primeiro desconhece a essência do segundo. João olha uma foto da avenida Paulista. Por mais que lhe pareça familiar, por outras experiências fotográficas anteriores, ele não conhece in loco o lugar, e assim foge-lhe a percepção das dimensões da espacialidade da avenida, seu aroma, sua plasticidade, seus ritmos, qual tipo de presença humana se verifica ali, de que modo se dá o brilho do dia e como despontam as primeiras sombras sob o efeito crepuscular do outono... João tem nas mãos uma paisagem secionada da avenida, congelada sabe-se lá se há um mês, um ano, uma década. Ele pode dizer que tem agora uma noção do lugar, mas ainda é um espaço não conhecido, ou, um não-lugar para o seu conhecimento...  
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só a consciência humana presencia a relação espacial entre as coisas mundanas; estas não estão presentes umas às outras, ao contrário, estão ausentes, desconhecem o sítio que ocupam no espaço e a distância que as separa. (Liberdade situada)

só posso reconhecer/valorizar o meu espaço dentro de um processo de discussão dialética.

as formas de produção do espaço são diferenciadas segundo a hierarquização da sociedade de classes, ou seja, de acordo com a divisão social do trabalho.

enquanto o processo de produção é uma tarefa coletiva, o produto do processo de trabalho é privado. Essa apropriação privada e desigual do espaço geográfico produzido pelo trabalho da sociedade pode ser percebida através da paisagem urbana.

caráter reacionário do conceito explosão urbana, explosão demográfica é um equívoco das correntes que condenam a industrialização que, por usar técnicas avançadas, emprega “pouca” mão de obra (conf. Singer) quando o correto seria questionar o caráter contraditório do desenvolvimento capitalista.  Ocorre então uma crítica ao seu ritmo excessivo, em vez de se voltar contra a sua forma.
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O espaço em que vivo não é apenas definido por um sistema de idéias, por um sistema político, ou pela abordagem da mídia, mas essencialmente pela percepção que tenho dele, motivada pela intenção de conhecê-lo e consequentemente de atuar nele. Claro está que a minha atuação nesse sentido é apenas um singelo e necessário movimento; o espaço urbano é um espaço em permanente transformação, resultante da intervenção humana e dos processos históricos. Assim, devo reconhecer no outro o prosseguimento, a continuidade transformadora da minha ação, e vice-versa. Para que essa ação interativa se organize, o poder público regulamenta normas de conduta, aprovadas e praticadas regularmente pela sociedade, por mim individualmente. Essa participação do cidadão nos desígnios de sua cidade é indispensável para a redefinição do convívio social; a ação do indivíduo em perceber e identificar o espaço em que vive torna-se fundamental para estabelecer um início, uma possibilidade de, como cidadão, intervir no espaço urbano.
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Se eu percebo o espaço em que vivo, estarei eliminando qualquer possibilidade de estranhamento. Torno-me agente consciente da ação, direcionando meu ato para propósitos definidos. A estrutura viária, os aromas característicos, o relevo urbano, o estilo arquitetônico, imprimem formas e conteúdos que nos inserem nas referências históricas e sociais desse espaço, transformado em lugar. Ao transcendê-lo em sua funcionalidade, nos assumimos como participantes do processo histórico, que se delineia na comunhão nas relações sociais da vida cotidiana. O estranhamento se vê descartado na elaboração epistemológica do lugar; a apreensão participativa (engagé) torna-se o elemento fundante que sistematiza a ação, e que transforma o lugar em que vivemos.
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(de modo que) atuar no lugar significa colocar em andamento um processo de reconhecimento, e ele ocorre:
a) quando o percepciono e o apreendo, fazendo-o surgir para a minha consciência;
b) ao interferir em seu espaço a partir da ação;
c) ao transcendê-lo em seu sentido social.



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