12 junho 2013

Murilo Mendes




Poucas vezes estive diante das suas poesias e sempre me tomaram por absoluto. Pela ríspida elegância dos versos, delicadeza que resiste em se mostrar a um primeiro contato, o chamado que nos sinaliza os meandros e arestas de uma poesia vibrante, a cada recepção, uma surpresa escandida, sinuosa, resoluta. 

Reencontro Murilo Mendes depois de anos, ao acaso, em um carrinho de livros que seriam organizados nas estantes da livraria, não deixo passar a oportunidade e o adquiro. Essas metamorfoses, que insistem em me imobilizar por um enlevo que não se descreve, mas se deixa sentir.

...

Duas Mulheres

Duas mulheres na sombra
Decifram o alfabeto oculto,
Ouvem o contraste das ondas,
Consultam os deuses de pedra.

Dançam a roda, murmuram,
Decifram o enigma das sombras,
Uma triste, outra morena,
Ambas são ágeis e esbeltas,
Vestem roupagens de nuvens,
Segredam amores eternos,
Tocam súbito a corneta
Para despertar os peixes.

Duas mulheres na sombra
Encarnando lua e árvore
Decifram o alfabeto oculto. 


Certa Mulher

A linha do horizonte
passa pelos teus cílios
Tua fonte a inquietação murmura

A alta lâmpada do templo balançou
Porque não brincaste nunca mais com o arco
Nos lânguidos terraços

A onda vai e volta
Na esperança de te ver
O trevo de quatro folhas
Achou-te.
Estrelas gêmeas suspiram.


(extraídos da obra As Metamorfoses, Ed. Record, 2002)




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