26 junho 2013

Hagamos un trato



Cuando sientas tu herida sangrar
cuando sientas tu voz sollozar
cuenta conmigo.

(de una canción de Carlos Puebla)


Compañera
usted sabe
que puede contar
conmigo
no hasta dos
o hasta diez
sino contar
conmigo

si alguna vez
advierte
que la miro a los ojos
y una veta de amor
reconoce en los míos
no alerte sus fusiles
ni piense qué delirio
a pesar de la veta
o tal vez porque existe
usted puede contar
conmigo

si otras veces
me encuentra
huraño sin motivo
no piense qué flojera
igual puede contar
conmigo

pero hagamos un trato
yo quisiera contar
con usted
es tan lindo
saber que usted existe
uno se siente vivo
y cuando digo esto
quiero decir contar
aunque sea hasta dos
aunque sea hasta cinco
no ya para que acuda
presurosa em ni auxilio
sino para saber
a ciencia cierta
que usted sabe que puede
contar conmigo.

(Mario Benedetti)



12 junho 2013

Murilo Mendes




Poucas vezes estive diante das suas poesias e sempre me tomaram por absoluto. Pela ríspida elegância dos versos, delicadeza que resiste em se mostrar a um primeiro contato, o chamado que nos sinaliza os meandros e arestas de uma poesia vibrante, a cada recepção, uma surpresa escandida, sinuosa, resoluta. 

Reencontro Murilo Mendes depois de anos, ao acaso, em um carrinho de livros que seriam organizados nas estantes da livraria, não deixo passar a oportunidade e o adquiro. Essas metamorfoses, que insistem em me imobilizar por um enlevo que não se descreve, mas se deixa sentir.

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Duas Mulheres

Duas mulheres na sombra
Decifram o alfabeto oculto,
Ouvem o contraste das ondas,
Consultam os deuses de pedra.

Dançam a roda, murmuram,
Decifram o enigma das sombras,
Uma triste, outra morena,
Ambas são ágeis e esbeltas,
Vestem roupagens de nuvens,
Segredam amores eternos,
Tocam súbito a corneta
Para despertar os peixes.

Duas mulheres na sombra
Encarnando lua e árvore
Decifram o alfabeto oculto. 


Certa Mulher

A linha do horizonte
passa pelos teus cílios
Tua fonte a inquietação murmura

A alta lâmpada do templo balançou
Porque não brincaste nunca mais com o arco
Nos lânguidos terraços

A onda vai e volta
Na esperança de te ver
O trevo de quatro folhas
Achou-te.
Estrelas gêmeas suspiram.


(extraídos da obra As Metamorfoses, Ed. Record, 2002)




07 junho 2013

Notas para um esboço fenomenológico da cidade


(...) as partes novas, diferentes, nos estimula a reconhecê-las como parte do todo, a torná-las de algum modo familiar, solicitando que as percorramos continuamente. Em outras palavras, a consciência imaginante torna-se consciência perceptiva; o distante torna-se próximo; o inacessível torna-se apropriado. Aqui, tomando-se o inacessível como sinônimo de inalcançável pelas outras formas de percepção que não seja a obtida pelo percurso in loco. Em suma, pelo percurso de uma determinada espacialidade e através de minha intencionalidade em desvendar essa espacialidade presenciada, transformo o lugar desconhecido em lugar conhecido. O não-lugar transforma-se em lugar .
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O não-lugar para nós pode-se definir não como o lugar impessoal, o lugar de passagem, porque ainda estes se definem como um lugar percepcionado pelo indivíduo que o cruza. O não-lugar poderia melhor se definir como o lugar não conhecido, o lugar não presenciado, mas ainda assim, não tomando-o como um espaço inexistente, apenas imaginado. Refiro-me aqui à relação direta indivíduo-espaço, onde o primeiro desconhece a essência do segundo. João olha uma foto da avenida Paulista. Por mais que lhe pareça familiar, por outras experiências fotográficas anteriores, ele não conhece in loco o lugar, e assim foge-lhe a percepção das dimensões da espacialidade da avenida, seu aroma, sua plasticidade, seus ritmos, qual tipo de presença humana se verifica ali, de que modo se dá o brilho do dia e como despontam as primeiras sombras sob o efeito crepuscular do outono... João tem nas mãos uma paisagem secionada da avenida, congelada sabe-se lá se há um mês, um ano, uma década. Ele pode dizer que tem agora uma noção do lugar, mas ainda é um espaço não conhecido, ou, um não-lugar para o seu conhecimento...  
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só a consciência humana presencia a relação espacial entre as coisas mundanas; estas não estão presentes umas às outras, ao contrário, estão ausentes, desconhecem o sítio que ocupam no espaço e a distância que as separa. (Liberdade situada)

só posso reconhecer/valorizar o meu espaço dentro de um processo de discussão dialética.

as formas de produção do espaço são diferenciadas segundo a hierarquização da sociedade de classes, ou seja, de acordo com a divisão social do trabalho.

enquanto o processo de produção é uma tarefa coletiva, o produto do processo de trabalho é privado. Essa apropriação privada e desigual do espaço geográfico produzido pelo trabalho da sociedade pode ser percebida através da paisagem urbana.

caráter reacionário do conceito explosão urbana, explosão demográfica é um equívoco das correntes que condenam a industrialização que, por usar técnicas avançadas, emprega “pouca” mão de obra (conf. Singer) quando o correto seria questionar o caráter contraditório do desenvolvimento capitalista.  Ocorre então uma crítica ao seu ritmo excessivo, em vez de se voltar contra a sua forma.
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O espaço em que vivo não é apenas definido por um sistema de idéias, por um sistema político, ou pela abordagem da mídia, mas essencialmente pela percepção que tenho dele, motivada pela intenção de conhecê-lo e consequentemente de atuar nele. Claro está que a minha atuação nesse sentido é apenas um singelo e necessário movimento; o espaço urbano é um espaço em permanente transformação, resultante da intervenção humana e dos processos históricos. Assim, devo reconhecer no outro o prosseguimento, a continuidade transformadora da minha ação, e vice-versa. Para que essa ação interativa se organize, o poder público regulamenta normas de conduta, aprovadas e praticadas regularmente pela sociedade, por mim individualmente. Essa participação do cidadão nos desígnios de sua cidade é indispensável para a redefinição do convívio social; a ação do indivíduo em perceber e identificar o espaço em que vive torna-se fundamental para estabelecer um início, uma possibilidade de, como cidadão, intervir no espaço urbano.
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Se eu percebo o espaço em que vivo, estarei eliminando qualquer possibilidade de estranhamento. Torno-me agente consciente da ação, direcionando meu ato para propósitos definidos. A estrutura viária, os aromas característicos, o relevo urbano, o estilo arquitetônico, imprimem formas e conteúdos que nos inserem nas referências históricas e sociais desse espaço, transformado em lugar. Ao transcendê-lo em sua funcionalidade, nos assumimos como participantes do processo histórico, que se delineia na comunhão nas relações sociais da vida cotidiana. O estranhamento se vê descartado na elaboração epistemológica do lugar; a apreensão participativa (engagé) torna-se o elemento fundante que sistematiza a ação, e que transforma o lugar em que vivemos.
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(de modo que) atuar no lugar significa colocar em andamento um processo de reconhecimento, e ele ocorre:
a) quando o percepciono e o apreendo, fazendo-o surgir para a minha consciência;
b) ao interferir em seu espaço a partir da ação;
c) ao transcendê-lo em seu sentido social.