09 março 2011

El Gato Díaz


Gato Diaz é uma dessas personagens marcantes, que uma vez lançadas ao proscênio, cumprem seu papel e se despedem com um gesto memorável. Assim como todos nós deveríamos cumprir nossos desígnios, Gato Díaz submete-se ao seu, sem alarde, movido pelo desejo do coração, o amor de la rubia de Ferreira. Talvez seja esse o punctum secreto do relato de Osvaldo Soriano em El penal más largo del mundo, o ensejo oculto que movimenta todas as peças da trama.

O jogo final, a emoção da torcida, o pênalti apontado no último minuto, o soco dado por Colo Rivero, que fez adormecer o árbitro Hermínio Silva, o adiamento por uma semana do lance derradeiro que decidiria o campeonato, a promessa de la rubia ao Gato Díaz, de que aceitaria o noivado se pegasse o pênalti, o ataque de epilepsia em Hermínio Silva, que faz com que o pênalti, chutado por Constante Gauna e defendido por Gato Díaz, seja batido pela segunda vez, todos esses fatos surgem adensados em um registro sutil, prazenteiro, que desvela a natureza de personagens contidos em um mundo de sentimentos genuínos, em um cantinho perdido da Patagônia. 

Mas nada, absolutamente nada, em minha opinião, se equipara à fineza do relato de Soriano quando ele demonstra a convicção de Gato Díaz de que defenderia pela segunda vez o pênalti, como se tratasse de um esforço banal... 'Então, o Gato Díaz apartou os que queriam acertar (o juiz) e disse que tinha de apressar-se, porque essa noite ele teria um encontro e uma promessa, e assim colocou-se mais uma vez sob o arco'...

E o que seria o desfecho natural de uma narrativa bem construída, a segunda defesa e o amor eterno de la rubia, torna-se um momento notável do passado, encoberto pelas brumas do tempo... Uma rápida elipse nos conduz à sequência final, que ameniza o clímax da defesa acompanhada por toda uma cidade, na exata proporção que o fato confere ao seu personagem principal, na breve continuidade do conto, a aura propícia de um mito.

Dois anos mais tarde, o Gato Díaz casado não com a rubia de Ferreira, mas com a irmã de Colo Rivero, está diante do jovem Soriano, o narrador, que tem um pênalti para si e o converte. Ao levantar-se, o goleiro lhe diz, 'Boa garoto, algum dia, quando for velho, estará a dizer que fizeste um gol no Gato Díaz, mas ninguém irá te acreditar'...

-o-

Foi um dos pequenos prazeres que me envolveram neste carnaval. Nada das mazelas bigbrotherianas, nada de notícias da Líbia, produzidas pelo oligopólio midiático. Aderi de corpo e alma ao tempo generoso, esse do ócio abrangente, aprofundando minha sensação de bem-estar com o mundo. Como as personagens do bucólico rincão patagônico, sem se preocupar com os caminhos, já que eles se definem com nossas escolhas... e com a firme convicção de que as boas surpresas da vida ainda estão por se pronunciar...


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