A esperança de que nosso Norte continue sendo o Sul |
Uma inquietude nos atravessa a todos: o risco de colhermos uma amarga derrota amanhã, nas eleições argentinas. Como tem sido corriqueiro nos pleitos dos últimos anos, na América Latina, o espantalho assustador da direita ressurge de suas fundas trevas, mais ameaçadora, mais ignóbil, mais empolada, propondo suas soluções esdrúxulas, política e economicamente irrealizáveis, e que estão mais de acordo com as normas do pacto com a violência, sem qualquer apego ao diálogo, em que a sociedade, manipulada pela retórica grosseira, entrega seu destino às vozes que a desejam destruir. No contexto da crise política e da inflação galopante, as vagas promessas de solução, de uma nova era, sem corrupção, sem Estado, sem subsídios, consegue capturar corações e mentes, principalmente - e isso me impressiona - de jovens.
Na quinta-feira, assisti a uma palestra da socióloga Verónica Gago, que nos mostrou de um lado o processo de mobilização feminista no enfrentamento da crise e de outro, o tamanho do buraco criado pela financeirização do capital, aprofundando o endividamento das famílias. O crédito sem a mediação salarial tornou-se uma alternativa desesperada para as famílias ao menos subsistirem, "envididarse para vivir". O quadro atual não indica uma solução a curto prazo para a inflação, hoje em torno de 120% ao ano. As perspectivas de estabilidade econômica, e o consequente apaziguamento social e político, serão mais satisfatórios quanto mais sério for o cronograma da governabilidade, abrangendo a grande parcela da população, menos favorecida, recompondo os programas sociais, a preservação do poder de compra dos trabalhadores e aposentados, os direitos trabalhistas, de moradia etc.
Em outras palavras, a opção mais sensata no momento seria a vitória de Sergio Massa, da coalizão Unión por la Patria. Ainda que seja ministro da economia de um governo que falhou ou se omitiu em muitos aspectos, é o candidato que reúne mais serenidade, e talvez capacidade, para desenvolver um projeto de contemple algum tipo de pacificação nacional e que possa gerar desenvolvimento econômico sem graves rupturas. Torço muito para que a Argentina encontre o espírito de sua seleção de futebol, unida e determinada a jogar do modo mais eficiente para vencer. Como na poesia de Benedetti, cantamos porque llueve sobre el surco/ y somos militantes de la vida/ y porque no podemos ni queremos/ dejar que la canción se haga ceniza.