15 fevereiro 2023

Um romance

 

Serenata, Candido Portinari, 1925

Recebo a informação da minha editora, Caminhos Literários, que Um longo dia na vida de Ângelo Domani ficará pronto entre 20 e 25 de fevereiro, na semana que vem. Trata-se de uma emoção que se exprime de modo especial, um misto de alegria desvairada e apreensão profunda. Foram vinte e cinco anos para vir a lume, o que revela praticamente o tempo maduro de minha vida como escritor. Logo que concluí A Paixão Inútil (1997), comecei a redigir o romance, que em seu primeiro esboço não passava de um conto longo, com o nome de Jornada em Cambeville. Pouco daquela primeira versão se manteve, as estruturas modificadas do começo e do fim, e o plano geral da caminhada de Ângelo pela cidadezinha. Mas a narrativa sofreu fortes modificações. Não é fácil lidar com isso e imaginar que logo muitas pessoas estarão em contato com o texto. 

Serei franco em dizer que nunca imaginei que ele seria publicado como o será, selecionado por uma editora, editado com carinho, plenamente reconhecido por suas hipotéticas qualidades. Há muita dor e frustração acumulada ao longo do percurso, como se eu também tivesse contribuido para o retardamento de sua vinda a lume. De tempos em tempos, resolvia escrever o que faltava e reescrever o que já existia, e aconteceu o que jamais se esperava que acontecesse, uma editora desejar publicá-lo. Ao mesmo tempo, sobrevém a incerteza do que fazer, como proceder em relação à história pronta, longamente redigida, como se tivesse de proteger um filho recém-nascido e com ele, enfrentar as ganâncias do mundo. Nunca me senti tão feliz e estranhamente desconfortável diante do que está por vir.



14 fevereiro 2023

Circunstâncias


Manacá, de Tarsila do Amaral, 1927

Tive em mãos Contraponto, de Aldous Huxley e não foi só. Também cheguei a retomar os contos de Hemingway e Carver, mas sou sugado, essa a palavra, à literatura latino-americana, Juan Rulfo, Borges, Cortázar, que voltam a me enredar, possivelmente animado pela minha viagem com Mônica a Buenos Aires, de onde trouxe alguns volumes de contos e romances. Agora me fixo na biografia e nas poesias de Alfonsina Storni, tão pouco compreendida em seu tempo, não por sua exuberante poesia, mas por sua condição social de mãe solteira. Viajo mentalmente pelo tempo, frequento a cidade nos anos 1930, o contexto político. Abro algum espaço em minhas leituras (e escrituras) para acompanhar o acerto de contas com a ignorância bolsonarista, do desenvolvimento das ações políticas ao enquadramento dos vândalos de 8 de janeiro. E logo regresso à atividade pedagógica da literatura. Visitamos o museu de Evita Perón, o que desencadeou o processo de análise crítica, regressando aos anos 1940 e confrontando todos os passos, todos os equívocos e acertos. Lula ascendeu e toma medidas sociais e políticas importantes, e isso não passará incólume! Repentinamente tudo vindo de nossa Latinoamerica torna-se indispensável, as leituras no instagram de Eduardo Sacheri, as imagens de Pepe Mujica, trechos lidos de Zama, de Di Benedetto, o som de Caetano e Gil que nos embala...  Pelas manhãs, declamo por whatsapp as poesias de Pablo Neruda para Moniquinha, como de costume. Saboreio no sofá as letras predominantemente portenhas, aqui incluindo Samanta Schwebling. Não tenho pressa.