06 agosto 2021

Luis Buñuel

 

Buñuel por Dalí

Minha leitura de Meu último suspiro, autobiografia de Luis Buñuel, escrita no crepúsculo de sua vida, foi feita sem qualquer linearidade, bastante próxima à irreverência surrealista, com idas e vindas, sem qualquer formalidade. Comecei pelo fim, depois saltei para o começo e detive-me a maior parte do tempo no miolo, nos anos intermediários, a partir da realização de Un chien andalou. Se o seu cinema me seduz de maneira incondicional pela originalidade, pela ousadia, seu texto me surpreendeu, revelando um Buñuel sem inspiração, muitas vezes desagradável e sem graça. A narrativa é desequilibrada, alternando passagens marcantes, como o período da guerra civil espanhola, com momentos descartáveis, quando descreve determinadas lembranças, que a seu ver, são engraçadas ou curiosas.   

Talvez seja essa sua proposta, não ser um livro sério, buscando constantemente aquilo que diz faltar no mundo moderno, provocação. Nesse sentido, o niilismo presente em determinadas atitudes soa obtuso, quando, por exemplo, diz que "(...) a ciência não me interessa. Parece-me pretensiosa, analítica e superficial (...)", argumento que, hoje em dia, soaria perigosamente frívolo, simpático à onda negacionista que varre o mundo. Alimenta a narrativa com fofocas de bastidores, como quando descreve sua amizade com Dalí, trazendo detalhes íntimos, "Sua vida sexual foi praticamente inexistente. Era um imaginativo, com tendências ligeiramente sádicas", ou revelando as diferenças (não tão bem assimiladas) que terminaram por distanciá-los por décadas. 

O livro traz as relações com intelectuais do universo surrealista e fora dele, demonstrando muitas vezes uma contradição insuperável, como ao reforçar conscientemente uma postura irreverente em inúmeras atitudes, e ao mesmo tempo se deixar levar por "prazeres burgueses", como por exemplo, o gosto em tomar drinques com Chaplin à beira da piscina, em Beverly Hills. Tem uma satisfação irresistível em descrever situações vivenciadas com personalidades do cinema, como as que teve com o próprio Chaplin, ou intelectuais de um modo geral, como com Lacan, onde tem a oportunidade de destacar passagens com pouca relevância.

Com tudo isso, seu livro me parece indispensável, prendeu longamente minha atenção. No meio dos pequenos pecadilhos, há momentos fortes, muito interessantes, como normalmente ocorre com a descrição das produções de seus filmes, ou o capítulo em que circula entre a Espanha convulsionada pelos enfrentamentos políticos e a França, que o acolhe em suas necessidades cinematográficas e intelectuais, nos anos 1930. Para mim foi uma notável descoberta seu documentário de 1933 (e que posteriormente assisti no Youtube), Les Hurdes, tierra sin pan. Não só pelo registro de um lugar miserável nas montanhas da Extremadura, mas pela coragem da denúncia social. 

A parte final descreve, com admirável autenticidade, a solidão e a decrepitude do corpo, sem dúvida aprofundados por seu sistema de crenças, pautado no ateísmo e na irreverência surrealista, que o acompanham até o último de seus dias. E termina com uma confissão, "apesar de meu ódio pela informação, gostaria de poder erguer-me entre os mortos, a cada dez anos, caminhar até uma banca de jornais e comprar alguns. (...) com os jornais debaixo do braço, lívido, esbarrando nos muros, retornaria ao cemitério e leria os desastres do mundo, antes de tornar a dormir, satisfeito na proteção tranquilizadora da sepultura".


  

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