03 julho 2021

Terra Devastada, a peça (2)

"Basta-me permanecer em seu regaço"...


Não foi apenas uma construção ficcional, o que já exigiria muito esforço e dedicação, mas a conclusão de um longo e nem sempre regular estudo sobre a causa palestina, marcada por leituras, conversas, visitas a exposições, entrevistas e o profundo desejo de conhecer mais sobre este doloroso problema político, que se arrasta por décadas.

Fico de algum modo satisfeito com o resultado. Não se trata aqui de enaltecer um lado em detrimento de outro, mas de conhecer um pouco as engrenagens de um impasse que não se mostra em todas as suas faces. É verdade que utilizei em minha pesquisa autores, poetas, pesquisadores que se não são palestinos, analisam a questão sob a perspectiva palestina. 

Claro que essa minha escolha foi pessoal, nada fácil, pois me trouxe muito desgaste emocional. As visões israelenses do conflito estão muito mais acessíveis, embora seja justo dizer que muitos textos e análises (digo os esforços mais densos) apresentam simpatia ao lado palestino. Mas o que fiz foi buscar os olhares palestinos que me pareceram mais equânimes - e cito aqui duas, o intelectual Edward Said e o escritor Raja Shehadeh - para edificar a estrutura da peça. 

A primeira parte, como já havia dito, teve uma primeira versão há 35 anos. Ganhou prêmio, foi apreciada por integrantes do escritório da OLP, mas se resumia a praticamente um esboço do que deveria ser, continha meras seis laudas. De lá para cá, fui adensando a peça, ou o que hoje é o primeiro ato, sabendo que ela solicitava um prosseguimento.

Mesmo exígua, essa inconclusa primeira versão exigiu muita pesquisa. Mergulhei fundamente nos acontecimentos de Sabra e Shatila para montar o drama de uma família, um drama todo pautado nos acontecimentos históricos. Tornou-se ficcional pela elaboração dos diálogos e do cenário. Quando retomei a peça para adensá-la, o que pretendi foi inserir a ação dramática em uma ambientação palestina, e foi aí que os problemas de fato surgiram.

Como disse é muito difícil pesquisar nas redes sobre o tema da Palestina. Poucos e incidentais detalhes sobre a cultura. Tive de contornar diversos obstáculos para chegar a um resultado minimamente aceitável. Ao dar por concluído o primeiro ato, o texto dispunha de vinte laudas. Segui com as revisões, para posteriormente suspender sine die a conclusão do projeto.

A cada retomada do conflito, e isso ocorreu diversas vezes nos últimos 15 anos, eu me organizava para escrever um segundo ato que atualizasse os desdobramentos políticos do conflito. Com a pandemia impedindo os movimentos externos, como as saídas para os cafés, os encontros com os amigos, me concentrei para concluir o trabalho. Colaborou para que as coisas avançassem de modo conclusivo o último ataque israelense, em maio último. E então consegui. 

Em seu formato que considero final (salvo algumas novas correções que eventualmente se façam necessárias) ela tem 35 laudas em espaço simples. E fico feliz que a peça não tenha se transformado em um libelo anti-israelense, mas uma tentativa de reflexão, a partir dos olhares palestinos que avaliam os fracassos políticos acumulados. Uma postura objetiva, mas certamente não imparcial. Para tanto, retomo nos diálogos as concepções de autores como do escritor Gassan Kanafani e do professor Edward Said, que atuaram ativamente em prol da resistência palestina.  

Não pude fugir a esse compromisso de assumir um lado. Alcanço, com o final deste trabalho, a reflexão acumulada por um incômodo que perdura 40 anos. Tinha de escrever, acompanhando e analisando o ponto de vista do infortúnio palestino.

(atualizações em 04.07.2021 e 08.10.2021)



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