"Basta-me permanecer em seu regaço"... |
Não foi apenas uma
construção ficcional, o que já exigiria muito esforço e dedicação, mas a
conclusão de um longo e nem sempre regular estudo sobre a causa palestina,
marcada por leituras, conversas, visitas a exposições, entrevistas e o profundo
desejo de conhecer mais sobre este doloroso problema político, que se arrasta
por décadas.
Fico de algum modo
satisfeito com o resultado. Não se trata aqui de enaltecer um lado em
detrimento de outro, mas de conhecer um pouco as engrenagens de um impasse que
não se mostra em todas as suas faces. É verdade que utilizei em minha pesquisa
autores, poetas, pesquisadores que se não são palestinos, analisam a questão
sob a perspectiva palestina.
Claro que essa minha
escolha foi pessoal, nada fácil, pois me trouxe muito desgaste emocional. As
visões israelenses do conflito estão muito mais acessíveis, embora seja justo
dizer que muitos textos e análises (digo os esforços mais densos) apresentam
simpatia ao lado palestino. Mas o que fiz foi buscar os olhares palestinos que me
pareceram mais equânimes - e cito aqui duas, o intelectual Edward Said e o
escritor Raja Shehadeh - para edificar a estrutura da peça.
A primeira parte, como já
havia dito, teve uma primeira versão há 35 anos. Ganhou prêmio, foi apreciada
por integrantes do escritório da OLP, mas se resumia a praticamente um esboço
do que deveria ser, continha meras seis laudas. De lá para cá, fui adensando a
peça, ou o que hoje é o primeiro ato, sabendo que ela solicitava um
prosseguimento.
Mesmo exígua, essa
inconclusa primeira versão exigiu muita pesquisa. Mergulhei fundamente nos
acontecimentos de Sabra e Shatila para montar o drama de uma família, um drama
todo pautado nos acontecimentos históricos. Tornou-se ficcional pela elaboração
dos diálogos e do cenário. Quando retomei a peça para adensá-la, o que pretendi
foi inserir a ação dramática em uma ambientação palestina, e foi aí que os
problemas de fato surgiram.
Como disse é muito difícil
pesquisar nas redes sobre o tema da Palestina. Poucos e incidentais detalhes sobre
a cultura. Tive de contornar diversos obstáculos para chegar a um resultado
minimamente aceitável. Ao dar por concluído o primeiro ato, o texto dispunha de
vinte laudas. Segui com as revisões, para posteriormente suspender sine
die a conclusão do projeto.
A cada retomada do
conflito, e isso ocorreu diversas vezes nos últimos 15 anos, eu me organizava
para escrever um segundo ato que atualizasse os desdobramentos políticos do
conflito. Com a pandemia impedindo os movimentos externos, como as saídas para
os cafés, os encontros com os amigos, me concentrei para concluir o trabalho.
Colaborou para que as coisas avançassem de modo conclusivo o último ataque
israelense, em maio último. E então consegui.
Em seu formato que
considero final (salvo algumas novas correções que eventualmente se façam
necessárias) ela tem 35 laudas em espaço simples. E fico feliz que a peça não
tenha se transformado em um libelo anti-israelense, mas uma tentativa de
reflexão, a partir dos olhares palestinos que avaliam os fracassos políticos
acumulados. Uma postura objetiva, mas certamente não imparcial. Para tanto,
retomo nos diálogos as concepções de autores como do escritor Gassan Kanafani e
do professor Edward Said, que atuaram ativamente em prol da resistência
palestina.
Não pude fugir a esse
compromisso de assumir um lado. Alcanço, com o final deste trabalho, a reflexão
acumulada por um incômodo que perdura 40 anos. Tinha de escrever, acompanhando
e analisando o ponto de vista do infortúnio palestino.
(atualizações em 04.07.2021 e 08.10.2021)
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