11 setembro 2019

Conversa para boi dormir

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A conversa mole, o sonambulismo aconchegante

Em meio ao incêndio que toma conta da civilização brasileira, que passa pela brutal restrição das verbas de financiamento na educação, passa pela censura artística e alcança o fogo literal na floresta amazônica, nada mais anacrônico do que topar com os infindáveis debates esportivos na televisão. 

A loucura destruidora do atual (des)governo desmonta o substrato da nossa vida cotidiana, mas a velha discussão futebolística com os mesmos ingredientes de sempre, as jogadas polêmicas e a eloquência dos palpites não perdem o espaço midiático e segue confinando o pobre povo brasileiro à sucessão infindável de argumentos sobre temas absolutamente descartáveis, que ao fim e ao cabo nada acrescentam à razão crítica para a compreensão da realidade em que vivemos.

Dotados de um padrão que promove o rodízio de emoções calcadas na exploração dos acontecimentos que se repete a cada rodada - o enaltecimento dos bem-sucedidos e a crucificação dos fracassados - a roda da fortuna não cessa de girar em torno dos debates espetaculosos, que se apresentam como um imenso floco de algodão doce, tão atraentes quanto dissipáveis à primeira degustação. 


O mais interessante é que por duas horas ou mais os atores conseguem produzir da bolha futebolística um complexo universo paralelo, carregado de especulações, para ao final sobrar o vazio do resto da noite. Nada se define ou se explica porque assim deve ser, a bolha deve permanecer como o fundamento da vida, no afã de torná-lo um produto indispensável.

Esses atores são capacitados para isolar as discussões futebolísticas do futebol, sem integrá-las ao contexto social, econômico e político, como se o esporte mais apaixonante do país pudesse permanecer segregado aos quatro lados do campo. O fake da natureza dos debates alimenta a bolha das especulações fugidias das análises e nenhum deles, sejam jornalistas, ex-jogadores ou convidados outros, ousam atravessar a sinfonia de análises fragmentadas, trazendo algum elemento mais crítico que remeta à realidade social. 


Nenhuma referência mínima que seja às boas referências literárias do esporte que contemple o negro, o homossexualismo, a violência, a pobreza, dentre outras. Nada. Apenas o chafurdar na mesma lama de sempre, onde o mais audaz dos comentários é descartado no momento seguinte ao final de cada programa.

-o-

Ontem eu e Mônica tivemos uma demonstração da bestial percepção de mundo do eleitorado desse sujeito que nos desgoverna. Refiro-me ao eleitorado que votou nele e persiste em adorá-lo como mito. Trata-se de uma ignorância abismal e cansativa. No fundo, carregam uma profunda e confusa amargura e não fazem ideia o que seja sofrer com isso, pois a transformam em ódio ao outro, ao outro diferente, e se satisfazem com isso. Para esse tipo de gente, não existe a dinâmica do processo histórico, não existe a construção social com base no conhecimento científico.

Em suma, teremos de retomar a democracia na marra, contornando essas pessoas que persistem na intolerância. As representações sociais democráticas devem assumir o enfrentamento político. Assistir politicamente o desmonte do país é que não dá.


(atualização do texto, 07.10.2019)



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