Caracas, 2009 |
Faz dez anos, igualmente em um domingo ensolarado, que eu tomava a foto acima em Caracas, em meio à mobilização popular contra a deposição de José Manuel Zelaya, então presidente de Honduras. Parece-me significativa a imagem assim como o fato pois era uma clara reação contra uma espécie de golpe incomum em nosso continente, uma ação concatenada pelos agentes do poder legislativo e jurídico visando a deposição "forçada" de um presidente eleito, ação cuja logística foi comandada pelos militares. Mais de dez mil pessoas se reuniram diante de Miraflores e passamos a ouvir uma transmissão de Hugo Chávez, que havia se dirigido para Manágua para encontrar Zelaya.
Daí em diante acompanharíamos golpes "forçados" de matizes similares no Paraguai e no Brasil. A Sul América progressista se desmontava com as eleições de Macri na Argentina (2015) e de Lênin Moreno no Equador (2017), dois políticos que assumiriam caminhos neoliberais e sepultariam os anos de ouro das experiências nacional-populares, demarcada de maneira histórica pela Cumbre da Alca em Mar del Plata, em 2005. Ali pela primeira vez se articularam os esforços diplomáticos e políticos comandados por lideranças da estirpe de Lula, Kirchner, Chávez, Morales, Corrêa, que abririam novos horizontes para uma integração à esquerda, com prioridade para o desenvolvimento do bem-estar social.
Corte para os tristes e cinzentos dias de 2019. Ainda há pouco acompanhei à distância apoiadores de do juiz Moro e de Bolsonaro na Paulista, vergando as já tradicionais camisas amarelas da seleção ou cobertos pela bandeira brasileira, em uma demonstração patética de defesa da reforma da previdência, do plano de segurança proposto por Moro e de apoio ao desgoverno de Bolsonaro. Soa absurdo que haja tantas pessoas (imagino que se reuniram milhares em diversas capitais) que ainda acredite nas propostas imediatistas de um governo sem projetos a longo prazo, e que ao contrário, desmonta as estruturas voltadas para o atendimento público, como a educação, a saúde, a previdência social.
Em circunstâncias normais o momento seria de completo refluxo dessas forças do retrocesso, que conseguem se manter incólumes diante do descalabro instalado, da série de denúncias graves contra a isenção do próprio Moro e a tropa da Lava-Jato. A característica do que se convenciona chamar de fake news é a capacidade de misturar o que é fato com o que é ficção e assim confundir a análise política com bases sólidas. Como diria Bauman, tudo se liquefaz em verdade e mentira, certo e errado, guerra e paz, e o mundo se embota em sucessivas versões falaciosas, onde o histriônico e a arrogância ganha ares de modelos de respeito.
Os pobres miseráveis - e os vi em boa quantidade acompanhados por seus filhos - agitam o verde e amarelo sem a consciência profunda dos fatos, sem a compreensão oferecida pelo debate político que não existe e dessa maneira, sem a chance de constituir a cultura política que os orientem em momentos emblemáticos como este. Mitificam seus hipotéticos líderes como se isso os redimisse da desgraça social que os cerca. A grande confusão de informações instalada não pode ser lida, identificada e compreendida sem uma formação que os faria ver como ficaram à margem de tudo. O descalabro instalado não pode ser mensurado pelas pequenas coisas.