Juan Carlos Distéfano, El Mudo II, 1973 |
Em meu último curso sobre Ciência Política, ano passado, estruturei o plano de aulas com apoio do excelente livro de Fábio Comparato, Ética. O tema de encerramento foi Totalitarismos do século XX e para a preparação da aula, realizei um conjunto de anotações que me pareciam sugestivas para subsidiar um texto sobre o governo Temer, marcado por derrotas nos direitos sociais e trabalhistas, além da violência institucional redobrada. Minha pergunta: fazia algum sentido comparar o pavoroso recuo do Estado democrático de direito com os fundamentos de um Estado totalitário?
Para isso fiz as anotações que reproduzo abaixo, chamando atenção para alguns tópicos que se mostram muito próximos com o desenvolvimento institucional do Estado golpista que gradativamente foi se instalando em nosso país. Vale lembrar que o texto se refere aos principais governos totalitários do início do século XX, onde o líder ou condutor encarnava o destino ideológico com mão de ferro. Essa figura absolutista foi substituída por um aparelhamento ideológico discreto, concentrado e eficiente, encarnado por um político estafeta, cumpridor dos interesses do capital financeiro.
Fiquem à vontade para estabelecer as relações que considerarem oportunas. Fica mais interessante estender a comparação ao presente (des)governo do capitão Bolsonaro. Em itálico, minhas observações.
Tópicos
- Totalitarismo corporativo
o "Estado totalitário suprime a liberdade individual ou grupal em todos os campos (pois) desaparece a separação entre Estado e sociedade civil" (p. 366).
- oposição não mais entre o tirano e seus inimigos, mas entre o Estado burocrático e a totalidade do povo (p. 368).
- o ambiente paranóico do Estado totalitário (p. 369).
política de radical isolamento do indivíduo
estímulo à delação sistemática.
- no lugar da onipresença do chefe, a onipresença do dinheiro ("descomunal máquina burocrática").
- duplicação de aparelhos policiais, forças militares, quadros funcionais fiscalizando uns aos outros - e o partido único.
- o Estado totalitário conquista a adesão das classes trabalhadoras e classe média pela sedução ideológica do consumo - produzidos com base na posse e circulação do dinheiro.
o papel do neopentecostalismo
adesão voluntária dos governados
- propaganda massificante (p. 371)
- inexistência de uma ordem ética estruturada - deformação e extrapolação arbitrárias (p. 372).
- povo reduzido a uma massa amorfa de indivíduos indiferençados.
máquinas de despersonalização de seres humanos
"o prisioneiro não se reconhece como ser autônomo (razão e sentimento) - suas energias se concentram na luta contra a fome, a dor e a exaustão" (Primo Levi)
- opção chinesa - "reforma pelo trabalho" (p. 373).
- no Estado totalitário a esfera da vida privada e da vida íntima desaparece.
(Contrapor a inversão no Estado totalitário do dinheiro: a valorização do espaço familiar, ainda que sem retomá-lo como espaço de oposição ao Estado)
- multidão de refugiados e apátridas: condenados a perambular de fronteira em fronteira - "pessoas deslocadas".
- na Antiguidade, jamais se cogitou destruir os costumes dos antepassados.
- causas geradoras do totalitarismo: o anti-semitismo e o imperialismo da 2a. metade do século XIX (p. 375).
(o ódio às classes menos favorecidas, ao negro, ao indígena).
- "na preparação da experiência totalitária, um papel não desprezível deve ser atribuído às ideias de reconstrução total da sociedade".
na direita - um difuso sentimento de pavor ou angústia, no confronto com a realidade racial ou cultural dos povos dominados.
irrupção da plebe na vida econômica.
- "a massa é o aglomerado de partes idênticas umas às outras" (p.385)
(retomar Elias Canetti, Massa e Poder).