17 abril 2016

Aproximações com a realidade

Ernesto de la Carcova, La hora del almuerzo


Chegamos ao dia da votação na câmara da proposta mais descabida de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, sem uma ideia nítida do que irá acontecer. Os meios de comunicação corporativos abandonaram de vez qualquer fio de discernimento em sua função de mediar os fatos com sobriedade e equanimidade, ao assumirem de modo progressivo o papel da oposição e produzirem nos últimos meses, dia a dia, semana a semana, um tom irascível de descaracterização de um governo democraticamente eleito.

Para isso, se valem de todos os artifícios, desde a divulgação de áudios vazados, robustecimento das delações premiadas, análises insinuantes a favor do impeachment, seja por analistas da 'casa', seja por 'especialistas' convidados, de acordo com a orientação editorial dos patrões. Neste particular, impressiona o discurso unificado, muito bem articulado nos detalhes da elaboração semiótica e da construção do discurso. 

Impressiona a ordem unida em sintonia dos jornais diários, das revistas semanais, dos programas de rádio, dos telejornais de canal aberto e fechado, dos sites hegemônicos. De nada parece adiantar a posição crítica dos meios estrangeiros, que condenam esse posicionamento parcial; a impressão é que os meios corporativos de nosso país estão com 'o corpo fechado', protegidos por uma força poderosa, o deus dinheiro, que os ampara de quaisquer prejuízos na imagem. 

O discurso concatenado não deixa dúvidas a respeito de um grande acordão, assinado por esses barões midiáticos, e que envolve grandes parcelas do ministério público, do empresariado, dos deputados e senadores, todos alinhavados em torno de interesses que se cruzam. Se Dilma e Lula são temas cotidianos de um assalto brutal e indiscriminado à intimidade, numa clara ruptura dos padrões aceitáveis de jornalismo, indivíduos como Eduardo Cunha e Michel Temer, condutores do movimento golpista, são poupados da investigação mais apurada de seus crimes de responsabilidade.

(Aqui no café, escrevo com dificuldades para me concentrar, não pela sonoridade natural desses espaços públicos, mas pela fala despudorada de um casal de 'coxinhas', logo à minha frente, que analisam o fim do governo Dilma. A mulher então comenta, 'O desfecho mais bonito hoje seria, ao final da tarde, todos acenderem uma vela em agradecimento, aqui na Paulista'... Imagino o lugar ideal, em frente à Fiesp, sob os auspícios do famigerado Deus Pato!)

Sigo daqui a pouco para o Anhangabaú, onde ocorrerá a vigília a favor da Democracia, contra o golpe. Na Paulista, uma movimentação ainda difusa, que mistura pessoas que passeiam a pé ou em bicicletas, no belo espetáculo de cada domingo, com manifestantes em defesa do que chamo de golpe. Talvez o segundo grupo ganhe com o passar das horas mais adesões, e dependendo do que ocorrer em Brasília no final da tarde, se expanda ou feneça. 

Em minhas aulas ao longo da semana não pude deixar de comentar os acontecimentos políticos de nosso país. Na sexta-feira à noite, praticamente suspendemos o tema da aula pela discussão aberta do processo de impeachment. Descrevi minha preocupação, como cidadão atuante, pelos caminhos de nossa Democracia, estabelecendo relações da evolução política de hoje com a de março de 1964. Foi muito interessante ver o interesse e a clara adesão dos alunos ao debate, desejosos em saber mais sobre o golpe cívico-midiático-militar do passado e o ritual golpista de hoje. 

Concluo provisoriamente, realçando o patético e, ao meu ver, irreversível estágio em que os meios corporativos de comunicação alcançaram. A escalada dos ataques ao governo Dilma e de modo especial à pessoa de Lula se diluíram no pastiche de mal gosto, e o que é pior, ultrapassaram o limite razoável de recomposição da credibilidade. Com a permanência do governo Dilma, o que espero que aconteça, esses órgãos terão de abandonar definitivamente o papel de mediação equilibrada (e não digo neutra!) dos fatos, para assumir aquele que bem realizam nestes tempos, o de panfletos publicitários de um modelo ultrapassado de política.



03 abril 2016

Jornada Nacional contra o golpe



A Jornada Nacional de Mobilização pela Democracia, modificou a relação com a data 31 de março, até então fatídica para a história do Brasil, marcada pelo golpe cívico-midiático-militar de 1964. Desta feita, entre 40 e 60 mil pessoas estiveram na Praça da Sé, em um ato suprapartidário contra o golpe jurídico-midiático. Cenas semelhantes, em diversas cidades brasileiras, mostraram a força das vozes democráticas, legalistas. Abaixo, imagens do evento paulistano.





















Resposta ao golpismo: mobilização democrática



A primeira metade de março foi sombria, indicando tenebrosos movimentos vindos de Curitiba, comandados pelo juiz de primeira instância, Sérgio Moro. Começou com a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depoimento, com ação simultânea da PF no Instituto Lula. Ficamos boquiabertos com a desfaçatez da ação, que por pouco não o conduziu à prisão. Posteriormente, a passeata da classe média pelas capitais do Brasil, com intensa cobertura midiática. Nunca o Pato gigante e sem graça da Fiesp foi tão ameaçador, mas percebia-se até ali o avanço cataclísmico de um golpe jurídico-legislativo contra o governo de Dilma, e nada parecia suficiente para oferecer alguma resistência. O PMDB, então, oportunista como de costume em sua convenção, indicou a saída da base de apoio governista.

Na segunda metade do mês as coisas começaram a mudar. A esperança surgiu da mobilização popular nas ruas, de fato a única cartada governista. Para as ruas e avenidas foram centrais sindicais, organizações populares, intelectuais, trabalhadores, estudantes, respondendo ao apelo das redes sociais, o grande canal de comunicação disponível. Aqui a Paulista ficou tão cheia quanto na passeata da classe média, encorpada com a presença de Lula, que impossibilitado de assumir a pasta da Casa Civil, continuou movimentando-se e com isso, retomando sua dimensão de negociador. Foi o ato decisivo para as redes se incendiarem e assumirem seu protagonismo comunicacional, bastante discutido na academia e poucas vezes tão efetivo e decisivo.

Foi uma atuação política com milhares de vozes intervindo com cores, imagens, palavras, em imaginosa ação pela democracia, contra o golpe. À anunciada saída do PMDB, com a péssima estratégia de contar com Eduardo Cunha na foto, sobreveio a grande manifestação democrática na Praça da Sé, no Largo da Carioca e em dezenas de locais pelo Brasil, estendendo-se a Pau dos Ferros, no RN. Novamente a presença de milhares de pessoas de todas as origens, cores, gêneros, crenças, partidos, promoveu um tilt na oposição golpista, jogando-a em uma inesperada defesa, procurando sustentar-se no discurso de que o impeachment está previsto na constituição, sem se preocupar em identificar algum crime de responsabilidade da presidenta.

Enfim, respiramos, nós, a parcela da sociedade que luta pela legalidade, pelo respeito à letra constitucional, contra o golpe. Se há vinte dias o horizonte parecia tenebroso, ameaçador, agora se percebe saudáveis frestas, as nuvens pesadas se dissipam, o sol volta a brilhar. O que não significa que as coisas serão fáceis doravante. Ao contrário, a mídia corporativa, agora assumidamente golpista, não se cansa de promover investidas, algumas risíveis de ridículas, outras dolorosas pela discriminação contra a mulher, contra Dilma. Ainda os grupúsculos proto-fascistas se movimentam ameaçando aqui e ali, em pequenos grupos ou em brados ostensivos nas redes sociais, sempre amparados por sua covardia ontológica. O importante será manter a mobilização, integrando diversos segmentos sociais, e com isso interagir nos próximos movimentos no Congresso. 

Superando as adversidades, uma a uma, e subjugando os impulsos doentios daqueles que desejam macular nossas conquistas democráticas, constituiremos uma linda e inesquecível vitória.