Pronto, lá se foi meu irmão. Mais uma vez, e a cada vez, de um jeito diferente, a deixar um rastro
de memória, o gosto amargo de um adeus com uma vaga sugestão de reencontro.
Vejo sua partida não mais como antes, quando via graça em seus movimentos
imprevisíveis. Desta feita ela vem um pouco mais dolorida, porque o
imprevisível não mais se oferece fartamente no horizonte, porque no lugar das
extensões infinitas, das dispersões ao sabor do vento, passamos a abraçar os gestos presentes e duradouros. Se antes nos aprazia o ato vago da busca
imprecisa, agora e cada vez mais saboreamos o que restam das lembranças
marcantes, um olhar oblíquo, uma frase solta, um silêncio mais prolongado,
aquilo que permanece em nome da falta.
Em outras palavras,
o tempo insiste em fluir em sua expressão devoradora, enquanto alimentamos o calor da ausência, imerso em desconjuntada sucessão de presentes,
a projetar nossas vagas esperanças. A memória postula-se, ávida, pelas
contingências palpáveis, infatigável fonte de mistérios e emoções, enquanto,
paradoxalmente, se predispõe ao esquecimento. Ao exercitarmos saudosas recordações,
ao desvelar nossa condição de vir a ser
o passado, de algum modo retomamos as referências mais significativas, sacrificando diáfanas impressões, os ensejos moderados, as dores correntes, sem jamais recuperarmos o mesmo ter
sido que é, o que pode ser trágico, embora nada que se compare, ao final das contas, com a
consciência da ausência indesejada.
(modificado em 06.05.2017, após mais uma despedida de meu irmão; atualizado em 22.04.2018)
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