Santiago, 2008 |
Recentemente assisti a
uma série de vídeos históricos relatando, sob diversos pontos de vista, a vida
do Chile. Alguns produzidos com fins educativos, no início do governo da
Unidade Popular, pela Universidade de Chile; outros, de cunho documental,
registrando no mesmo período particularidades das alegrias e das tensões
cotidianas; e ainda outros, conduzidos por repórteres estrangeiros, para
registrar os resíduos das emoções, no pós-golpe militar. Momentos em que se
fazia história, em que se expunham as belezas e os riscos.
Lembro-me, especialmente
de uma reportagem que se inicia com uma sequência do sepultamento de Pablo
Neruda. Uma voz declama em meio a uma centena de pessoas que acompanham o
féretro nas ruas, "No has muerto, no has muerto, solamente has quedado
dormido, como duermen las flores, cuando el sol se reclina... e então
a Internacional entoada por todos, desafiando os semblantes cerrados e as armas
engatilhadas de soldados.
Tudo isso menos de duas semanas depois do golpe. Perguntei-me
o que terá sido daquelas pessoas. Algumas encaram a câmera expressando a dor
alimentada no mesmo fundo de alma de onde arrancavam a delicada altivez. A voz
do jornalista, em over, comenta solene, "cem pessoas no
cortejo, cem sacrificados"... Ofereciam-se solenemente ao sacrifício,
pois que vida podia vingar, sob o silêncio sepulcral que se
instaurava?...
Lembro-me
de um outro vídeo, desses tempos desesperançosos, o cerco espetaculoso em um
subúrbio de Santiago a um militante sendo detido. Diante das imagens
dramáticas, a voz narrando um poema.
Testamento
(Ariel Dorfman)
Cuando
te digan
que no
estoy preso,
no les
creas.
Tendrán
que reconocerlo
algún
día.
Cuando
te digan
que me
soltaron,
no les
creas.
Tendrán
que reconocer
que es
mentira algún día.
Cuando
te digan
que
traicioné al Partido,
no les
creas.
Tendrán
que reconocer
que fui
leal algún día.
Cuando
te digan
que
estoy en Francia,
no les
creas.
No les
creas cuando te muestren
mi
carnet falso,
no les
creas.
No les
creas cuando te muestren
la foto
de mi cuerpo,
no les
creas.
No les
creas cuando te digan
que la
luna es la luna,
si te
dicen que la luna es luna,
que esta
es mi voz en una
grabadora,
que esta
es mi firma en un papel,
si dicen
que un árbol es un árbol,
no les
creas,
no les
creas
nada de
lo que digan
nada de
lo que te juren
nada de
lo que te muestren,
no les
creas.
Y cuando
finalmente
llegue
ese día
cuando
te pidan que pases
a
reconocer el cadáver
y ahí me
veas
y una
voz te diga
“Lo
matamos
se nos
escapó en la tortura
está
muerto”,
cuando
te digan
que estoy
enteramente
absolutamente
definitivamente
muerto,
no les
creas,
no les
creas,
no les
creas,
no les
creas.
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