21 maio 2013

Cenas de um tempo perdido

Santiago, 2008

Recentemente assisti a uma série de vídeos históricos relatando, sob diversos pontos de vista, a vida do Chile. Alguns produzidos com fins educativos, no início do governo da Unidade Popular, pela Universidade de Chile; outros, de cunho documental, registrando no mesmo período particularidades das alegrias e das tensões cotidianas; e ainda outros, conduzidos por repórteres estrangeiros, para registrar os resíduos das emoções, no pós-golpe militar. Momentos em que se fazia história, em que se expunham as belezas e os riscos. 

Lembro-me, especialmente de uma reportagem que se inicia com uma sequência do sepultamento de Pablo Neruda. Uma voz declama em meio a uma centena de pessoas que acompanham o féretro nas ruas, "No has muerto, no has muerto, solamente has quedado dormido, como duermen las flores, cuando el sol se reclina... e então a Internacional entoada por todos, desafiando os semblantes cerrados e as armas engatilhadas de soldados. 

Tudo isso menos de duas semanas depois do golpe. Perguntei-me o que terá sido daquelas pessoas. Algumas encaram a câmera expressando a dor alimentada no mesmo fundo de alma de onde arrancavam a delicada altivez. A voz do jornalista, em over, comenta solene, "cem pessoas no cortejo, cem sacrificados"... Ofereciam-se solenemente ao sacrifício, pois que vida podia vingar, sob o silêncio sepulcral que se instaurava?... 

Lembro-me de um outro vídeo, desses tempos desesperançosos, o cerco espetaculoso em um subúrbio de Santiago a um militante sendo detido. Diante das imagens dramáticas, a voz narrando um poema. 


Testamento
(Ariel Dorfman) 

Cuando te digan
que no estoy preso,
no les creas.
Tendrán que reconocerlo
algún día.
Cuando te digan
que me soltaron,
no les creas.
Tendrán que reconocer
que es mentira algún día.
Cuando te digan
que traicioné al Partido,
no les creas.
Tendrán que reconocer
que fui leal algún día.
Cuando te digan
que estoy en Francia,
no les creas.
No les creas cuando te muestren
mi carnet falso,
no les creas.
No les creas cuando te muestren
la foto de mi cuerpo,
no les creas.
No les creas cuando te digan
que la luna es la luna,
si te dicen que la luna es luna,
que esta es mi voz en una
grabadora,
que esta es mi firma en un papel,
si dicen que un árbol es un árbol,
no les creas,
no les creas
nada de lo que digan
nada de lo que te juren
nada de lo que te muestren,
no les creas.
Y cuando finalmente
llegue ese día
cuando te pidan que pases
a reconocer el cadáver
y ahí me veas
y una voz te diga
“Lo matamos
se nos escapó en la tortura
está muerto”,
cuando te digan
que estoy
enteramente absolutamente
definitivamente
muerto,
no les creas,
no les creas,
no les creas,
no les creas.




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