03 maio 2012

Os delicados segredos da alma



Por
Mônica Rebecca F. Nunes
Marco Antonio Bin

Ele a aguardava no banco solitário, uma armação rústica de ramas de cedro, onde a relva se confundia com as pérgulas amparadas pelas sebes naturais, de onde se esparramavam cordões de folhas verdes, incrustadas por alamandas amarelas e uma espécie de bougainvilleas avermelhadas, espargidas pelo orvalho da manhã ainda fria e nebulosa. 

Ao longo do caminho, o silêncio do vale permitia com que sua espera fosse suave e generosa, sintonizado com o ambiente que o acolhia. Do outro lado, serpenteava mansamente o riacho de águas esverdeadas que escorria das montanhas a oeste e de algum modo definia o percurso pedregoso, que avançava em direção à cidade. 

Atravessou a vereda, escolheu uma pedra e a lançou ao meio das águas, ouvindo o estrugir do choque concorrer por um instante com o canto dos pássaros. O sol enevoado custaria um pouco mais a esquentar, o caminho permanecia virgem, apenas ressoando seus curtos passos. Sentou-se no gramado à margem d´água e ali permaneceu por uns bons minutos, acariciando as belas lembranças, que se confundiam com a ternura dos últimos encontros. 

O ritmo da grande cidade conduzira por longos anos suas falas e seus olhares, e por alguma razão que ele não se recordava ao certo, decidiram caminhar juntos, a partir daquele ponto que mal conheciam, em comunhão com a natureza e dos silêncios que eventualmente produzissem, intercalados pelas palavras generosas de sempre, pelos toques ariscos, pela alegria de estarem disponíveis para seus sonhos.

Foi quando ouviu um som que destoava, produzido no atrito com o cascalho, de modo alternado. Olhou para a estradinha e logo após a última curva, a uns cem metros, despontou a silhueta querida, um ponto que se destacava aos bocados, coberto pelo sobretudo vermelho. 

Logo foi possível distinguir o que mais apreciava nela, o sorriso exultante de uma pequena conquista, emaranhado pelos cabelos castanhos agitados pelo vento. Mais um pouco, e poderia se deleitar com o brilho vítreo dos dois topázios, que lhe revelariam os delicados segredos da alma. 

Ele se levantou para recebê-la, para o abraço demorado, que os aqueceu ternamente. Então ela começou a lhe falar sobre um belo tema, aleatório, que coincidia com a sutileza do momento, com o caminhar sem pressa, até o pequeno rancho que os esperava.

O caminho era longo, durava mais a cada passo que davam. Talvez quisessem isso mesmo: prorrogar o tempo de espera. De algum modo, havia na espera um acolhimento. Os anos que caminhavam em busca do pequeno rancho já se acumulavam. A estrada já havia mudado de cor, os lagos já se tornaram mares, os mares altos ficaram baixos dando vazão à praia imensa e sombria.  O sol esquentou. Continuavam. Juntos, sorridentes, felizes por estarem um na presença do outro. 

Os olhares diziam o que não ousavam dizer porque temiam o desencanto. Ela e ele. Haviam construído a paisagem, os sons do riacho e o sobretudo vermelho. Inventaram um e inventaram o outro, e, agora, tão perto do rancho, arquitetavam modos de não chegar e assim permanecerem juntos, nesta estranha dança sem rumo.


2 comentários:

porsiempreamapola disse...

Qué bello (y qué ganas de saber bien el portugués para poder disfrutar más cada nota).
Gracias por mantenerte por aquí...

Marco Antônio Bin disse...

Gracias, Daniela, muy amable!