Confiteria Molino, Callao |
Retomei o trajeto que se tornou tão familiar, nestes anos. Saio da avenida Yrigoyen, atravesso a praça do Congresso, aprecio os renovados conjuntos de personagens, os cães ao lado dos donos, os mendigos em seus cantos, crianças brincando no gramado, as nuances de luz solar, tão intensa e fresca no outono, então alcanço a esquina com a Callao e vislumbro o majestático, tenebroso, edifício da antiga Cafeteria El Molino, abandonada aos pombos e seus inquilinos anônimos. Não tenho como não reter meu olhar aos desvãos escuros, à portentosa torre em forma de moinho, atravesso a avenida de Mayo submerso em sua grandiosidade gris, e percorro a avenida que me faz sentir à vontade em Buenos Aires, com suas livrarias, cafés, quiosques de flores, bistrôs musicais, lojas de roupas, de música, bancas de jornais, um comércio vívido, callejero, perscrutado por miles de personas que a percorrem decididas, em busca de seus destinos, nos pontos de ônibus, nos edifícios, na Corrientes ou na Santa Fé, artérias pulsantes da cidade.
Detenho meu olhar menos acelerado nos homens com suas pastas de couro, bem vestidos, nas belas mulheres, nos jovens estudantes, nos velhos parados diante de uma vidriera, a analisar um produto, sem pressa de se decidir... Caminho, olho para dentro dos estabelecimentos, reencontro as charlas, os olhares solitários, os jornais abertos, aqui e ali um gesto imobilizado carregado de elegância, sorvendo un cortado con medialunas, o interior das bancas, os donos ouvindo o rádio com o mate servido, um cliente conhecido que se aconchega para falar de futebol ou política... uma dinâmica que me envolve enquanto sigo para meu compromisso, mais além, no Barrio Norte, tenho de sair da querida Callao, subo a Corrientes até a Ayacucho, estreita e longilínea, como é comum nas ruas portenhas, e sigo em frente, passo pelos inúmeros comércios, alcanço a Córdoba, vou até a Junín, dobro à direita, mais umas quadras, alcanço a Marcelo T. Alvear e chego ao meu destino.
A entrada da Faculdade de Ciências Sociais está tomada por cartazes, as chamadas de ordem, convocações para jornadas acadêmicas, pequenas bancas com panfletos, rodeadas por alunos prontos para divulgar as mobilizações políticas. Como fundo, a movimentação incessante, alunos, professores, servidores, legitimando a função social do espaço público, transformando o movimento em permanente prontidão cívica. Um cheiro saboroso de tostada de queso invade as narinas, as aulas da noite estão por começar. Sigo para o primeiro andar, sala Rodolfo Walsh, ocupo um lugar nos bancos coletivos e aguardo mais um capítulo do seminário Pierre Bourdieu.