Há tempos que venho ensaiando em escrever sobre este segmento de narrativa, que me acompanha desde a adolescência, no começo do amor pela literatura. Trata-se do velho Santiago, o protagonista do livro de Hemingway, O velho e o mar, em um momento perdido lá no meio da história, quando ele já está em alto-mar, na expectativa da dura luta contra o peixe capturado, e se perde nos fragmentos dos devaneios ocasionais, os jogos de beisebol, DiMaggio, a leitura do tempo, o céu límpido de setembro, e então, a lembrança de uma queda de braço contra um negro de Cienfuegos, que começou em uma manhã de domingo e terminou no alvorecer do dia seguinte, antes que os trabalhadores tivessem de ir às suas fainas.
Por que a reminiscência deste episódio? Talvez o assombro inicial pela imagem dos dois oponentes, imóveis, medindo forças frente a frente, impávidos, tomados pelo desejo do enfrentamento. O velho Santiago em sua juventude, e o negro de Cienfuegos, um atleta encorpado. Davam-lhe cigarros acesos e rum, com o que mantinha-se para derrotar o rival, em meio a uma platéia que acompanhava incrédula ao desafio.
Trocaram-se os juízes, os apostadores iam e vinham, e assim passaram-se as horas. Por um momento, Santiago pareceu fraquejar cedendo alguns centímetros, mas resistiu e a custo, conseguiu equilibrar a contenda. Despontava o novo dia, e quando todos os presentes propunham o empate, Santiago reuniu todas as forças que lhe restavam e forçou a mão do negro para baixo, mais para baixo, até encostá-la na madeira.
Não penso na vitória do velho Santiago, não é o ponto mais relevante, mas sim essa imagem do combate justo, forjado nos olhares que se mediam e se respeitavam. Para um moleque como eu, a representação da taberna, o lampião de querosene e as sombras dançantes, o saboroso ardor do rum e a névoa renovada de fumo, aprofundaram o cenário trágico, de silenciosa fixidez, da metáfora do embate cotidiano. Como se a breve cena preparasse a sofreguidão do embate a seguir, em alto-mar, magnificamente descrito.
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Antes de me causar espanto, a cobertura midiática das eleições presidenciais no Peru me confirmam o horror nauseabundo que vivenciamos aqui, no ano passado. O candidato Ollanta Humala é ignominiosamente conduzido ao sacrifício público, submetido às desventuras de um ataque sem quartel, envolvendo os grandes veículos de comunicação do país.
O brutal dispositivo dos meios hegemônicos sepulta o jornalismo sério e informativo, disseminando uma visão capenga da realidade, eivada de vileza e intolerância. No processo desgastante, o verdadeiro jornalismo é o primeiro a ser sacrificado, vindo a seguir (ou ao mesmo tempo) os receptores das mensagens, toda a população.
Resta saber se ela vai tolerar esse parcialismo desabrido, sem escrúpulos, que nada é capaz de produzir senão desinformação, em nome dos recorrentes interesses corporativos.