30 outubro 2025

De Gaza ao Complexo do Alemão

 


Uma vez momentaneamente suspensa a matança em Gaza (fica ao critério do governo sionista retomar), a atenção midiática se volta para outra matança, em outro local geográfico, mas nos mesmos moldes, o Complexo do Alemão. Sem a necessidade de tanques ou foguetes, bastou uma tropa com 2.500 homens da polícia do Rio de Janeiro armada com fuzis para realizar  o mesmo morticínio de um dia pesado em Gaza, mais de 130 mortos. Nada justifica uma ação destas proporcões, com tamanha violência e sangue frio. Por mais que o alvo tenha sido grupos de traficantes criminosos, a operação espetaculosa a denuncia por si mesma. No meio do fogo cruzado, a vida de civis pobres sem nenhuma garantia. O que se viu ontem - e o que se ouve hoje do governador Claudio Castro - foi uma brutalidade atroz, que por mais amparada por uma estratégia militar, fracassou rotundamente porque aquelas mortes não significam o fim de nada. Nem tampouco o princípio. 

Há quase trinta anos João Moreira Salles lançava o seu chocante documentário Notícias de uma Guerra Particular, em que se mostrava a ação policial em busca de traficantes nos morros cariocas, em um combate extenuante e sem fim. No meio, a população absolutamente exposta, sem saber o que fazer, seduzida pelos contraventores e temerosa da polícia. Hélio Luz, então delegado carioca, comenta no filme que só um idiota para não aceitar um emprego no tráfico, em vez de trabalhar por salário mínimo. E se eles quiserem, eles tomam tudo isso daqui... referindo-se à cidade do Rio de Janeiro. Seu discernimento foi impressionante, compreendia perfeitamente o que estava enfrentando. Hoje, não acredito, nem espero qualquer lucidez dos homens que governam o Estado. Embaçados e embasados na ideologia bolsonarista de que bandido bom é bandido morto, mobilizam a roda da desgraça sem qualquer critério humanista, sem qualquer objetivo de atingir o coração das grandes negociatas do narco.

O medo, como construção social, se espalha e ganha novos adeptos. Mais do que isso, faz com que qualquer terceirização (transferência) do problema seja vista como solução. E aí, estamos a um passo de ver a população como um todo ver com naturalidade a escalada de uma violência, que com essa metodologia miserável de querer resolver à bala, promete não ter fim.



29 outubro 2025

Não deixe de usar flores no seu cabelo

 

Café Soul, rua Augusta

Dia 27, aniversário de 80 anos do presidente Lula, que no domingo teve um encontro decisivo como Donald Trump e encaminhou muito bem o fim do patético tarifaço do início do ano. Parabéns, presidente, que acima de tudo deu uma aula de diplomacia no bolsonaristas, que ainda acreditavam no emparedamento de Lula com vistas às eleições do próximo ano! Viva! Uma vitória após a outra sobre como presidir democraticamente uma Nação!

Também no dia 27, 15 anos da morte de Néstor Kirchner, grande ator político da Argentina dos primeiros anos deste século. Juntamente com Cristina, sua esposa, conduziram por 12 anos os destinos do país, proporcionando bem-estar aos argentinos, equilíbrio fiscal e autonomia econômica. Foi o período em que mais visitei a Argentina e pude confirmar a estabilidade política e as perspectivas promissoras que então se alinhavam no horizonte. Tudo ao contrário do que ocorre hoje, com o governo de Milei.

No domingo, 26, ocorreram as eleições mi term na Argentina, com renovação parcial das cadeiras do legislativo. Vitória abrumadora do partido de Milei, Liberdade Avança, após forte apoio da Casa Branca - entenda-se Donald Trump - com um substancial pacote de recursos Swap de 20 bilhões de dólares para estabilizar por estes dias o câmbio. Poucos dias antes, o presidente estadunidense aprovou o apoio financeiro dizendo que A Argentina estava lutando pela sobrevivência... Eles não têm dinheiro, não têm nada... A grande questão que fica, como um país conduzido à beira do precipício por um governo incapaz como o atual vota pela fortalecimento legislativo desse mesmo governo incapaz?

Os peronistas perderam 2 cadeiras das 98, conseguindo manter seu universo de votos. O problema foi o avanço de Libertad Avanza, que de 44 subiu para 93 cadeiras. No senado, o quadro ficou pior, Fuerza Patria (peronismo) caiu de 34 para 26 cadeiras, e o partido de Milei saiu de 6 para 19. Seguramente virá a reboque desse terremoto as tão prometidas reformas previdenciárias e trabalhistas, além de novas privatizações do serviço público. Um horror que vivemos há nove anos, com a queda de Dilma e a ascensão de Temer e mais tarde, da eleição de Bolsonaro. 

Os argentinos têm uma longa e dura caminhada até que um governo efetivamente vinculado ao bem-estar social retorne vitorioso ungido pelas urnas. Bessent e os capitalistas estadunidenses buscarão o retorno devido a esse empréstimo e saberão como negociar em condições bastante vantajosas os imensos recursos argentinos. Será um período muito difícil para a maior parte dos argentinos, mas vejo um desdobramento nada auspicioso do governo Milei, profetizando seu completo descalabro. Serão dois anos difíceis para ele também, e se o roteiro do fracasso de Macri se repetir, ele sai da cena política em 2027. É o que ele merece, e o que sinceramente espero.

Não posso terminar este post com notícias tão desairosas. Ontem mesmo (mas agora já é 29, ou seja, na verdade anteontem...) recebi um bonito vídeo de Scott Mckenzie, cantando sua inesquecível canção San Francisco. Estava jovem, vestido de negro em um estúdio negro, a câmera dos anos 1960 capturando sua imagem em diversos ângulos, um típico exercício estético de uma época. Mas San Francisco possui no título um complemento, Be sure to wear flowers in your hair, frase que certamente influenciou toda uma geração pelo seu significado. Ainda hoje, a cidade de San Francisco exala algo da irreverência daqueles anos de beleza e rebeldia, de paz e amor, como se fosse imprescindível usar flores no cabelo...


 


17 outubro 2025

Halt (Deténganse)

 


Es Auschwitz 

la fabrica de horror que la locura humana eligió a la gloria de la muerte

Es Auschwitz 

estigma en el rostro sufrido de nuestra época

y ante los edificios desiertos, 

ante las cercas electrificadas, 

ante los galpones que guardan toneladas de cabellera humana

ante la herrumbrosa puerta del horno donde fueron incinerados

padres de otros hijos, amigos de amigos desconocidos, esposas, hermanos, niños que en el último instante envejecieron millones de años

pienso en ustedes, pedimos por su salud y por ustedes

pienso en ustedes, hombres de la tierra de Sión

pienso que estupefactos desnudos, ateridos, cantaron la hatikva en las cámaras de gas

pienso en ustedes y en vuestro largo y doloroso camino desde las colinas de Judea

hasta los campos de concentración del Tercer Reich

pienso en ustedes

y no acierto a comprender

cómo olvidaron tan pronto el vaho del infierno.

        

(Sílvio Rodriguez, recitando Deténganse, un poema de Luis Rogelio Noguera, BsAs, 12.10.2025).