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Guernica palestina |
Se tomamos os acontecimentos cotidianos, identificamos nas pequenas coisas, nos breves relacionamentos a marca funesta das ações tempestivas das decisões geopolíticas, tomadas por lideranças notáveis (no sentido de dominantes) no tabuleiro do xadrez político. Sobressai a violência dos gestos e das palavras, seguidos pelo desrespeito às normatizações diplomáticas, modos bruscos e brutos de modificar relações políticas e que, por extensão, acabam afetando, como comentei no início, o mais singelo dos convívios de cada dia. Por exemplo, o enaltecimento dessas lideranças à xenofobia e por consequência, à deportação forçada. As vítimas são as minorias dominantes, os palestinos no caso de Gaza e Cisjordânia, os latino-americanos no caso dos Estados Unidos. E simultaneamente, a naturalização do discurso discriminatório, pregado contra esses grupos etnicos, consolidando uma reação em cadeia no seio da sociedade, uma reação de descaso, de medo, de rejeição.
Aqui na Argentina, o discurso do governo Milei procura colocar-se em sincronia com as decisões estratégicas de Trump e Netanyahu, em uma adesão irrestrita ao neoliberalismo agressivo das entidades empresariais, que destroça instituições políticas, políticas sociais, e porque não dizer, o senso público que comunga o sentimento coletivo. Tudo parece voltar-se grosseiramente a uma só compreensão: a competição individualista, a luta pela sobrevivência, e se o sujeito não tem sucesso nesta empreitada, significa que deve fenecer. O problema desse pensamento é desconsiderar a enorme distinção calcada na desigualdade social, a enorme fragilidade de milhões que não conseguiram estabelecer uma plataforma sobre a qual poderiam dar combate em condições de igualdade, ou pelo menos, em condições mais dignas. O grande capital e seus sequazes passageiros partem do sucesso pessoal como o exemplo a ser seguido, miram a beleza de suas salas de estar sem considerar a dolorosa paisagem que se vislumbra pelas enormes janelas.
Mais do que isso, nesse movimento, o olhar cego investe na desativação de centros de pesquisa, de hospitais especializados, de organismos técnicos do Estado que viabilizam a vida social de um país. O olhar cego não é capaz de visualizar o bem-estar geral que decorre da participação do Estado na existência de uma nação. Prefere cortar impostos (os que os afligem!), cortar gastos, congelar benefícios sociais (bolsas, aposentadorias, investimentos públicos), desativar instituições culturais, sucatear o ensino público e gratuito. Como se estimulassem o olhar que promovem com tanto apuro, o olhar blasé tão característico da espécie bovina. Como bem disse Victor Hugo Morales, es espantoso y cruel lo que nos sucede, estamos en manos de perturbados mentales. Ao menos neste terrível momento da existência de nossa civilização.