29 julho 2025

As cenas do cotidiano






E por fim, chegaram! 

Uma bela partilha de livros que estarão presente no lançamento, em breve. Um livro que tive grande prazer em organizar, com seus textos abordando diversos gêneros, escritos ao longo dos últimos vinte anos. Estruturados em duas partes distintas, cada qual com o mesmo número de narrativas, a primeira expressa em uma proximidade mais acolhedora, e a segunda em um olhar mais árido, mais distante, os textos oferecem os afetos, as impulsividades, as penumbras de recortes cotidianos, que fazem diluir a força e as certezas dos sentimentos, o que faz da memória o derradeiro testemunho do relato. 

Para logo, o encontro com amigos leitores e com quem mais desejar se aproximar.



23 julho 2025

O fim, e as questões singelas




Como é difícil olhar vez ou outra para esse congresso e deparar com tantos imbecis eleitos se manifestando a favor de Trump! Mais difícil é imaginar que muitos desses tantos imbecis serão reeleitos na próxima eleição, ainda que trabalhem para o fim das políticas sociais. Um dos filhos do ex-presidente segue fazendo campanha contra o Brasil, lá nos EUA. Trump, ansioso e pouco informado, tascou um tarifaço de 50% nos produtos brasileiros, que passa a valer a partir de 1. de agosto. Se a diplomacia brasileira não for bem-sucedida nas negociações em curso (há negociações?) Lula deverá aplicar a política de reciprocidade, e taxará em 50% os produtos estadunidenses. Mas o absurdo é ver o filhote babaca mais essa bancada bolsonarista dando toda a corda para Trump. Ela não tem escrúpulos, desfralda bandeiras com o nome do presidente estadunidense em pleno congresso! O neoliberalismo cacarejando sem qualquer noção de como proceder, em um mundo cada vez menos dependente da economia dos EUA e expandindo as relações multilaterais. Os Brics ganham musculatura e isso nos enche de esperança, é o que nos resta, é o que se contrapõe ao que Yanis Varoufakis chama de tecnofeudalismo, onde as plataformas digitais atuam como feudos nas nuvens. Em outras palavras, elas não produzem nada, exceto reunir produtores e consumidores, para que o dono desse feudo na nuvem possa extrair uma renda, que é como a renda da terra no feudalismo, mas agora é uma renda da nuvem baseada em capital. Aí estão os Musks, os Bezos, os Galperins, a fazer fortuna em nome da precarização do trabalho. Concentração de poder e riqueza, à expensa da imensa maioria desafortunada.

As falidas lideranças neoliberais fomentam a exploração do capital em novas vestes: sujeitam-se aos ditames desses novos superpoderosos, em nome da extinção do Estado. Não conseguirão, e não porque o socialismo prevalecerá, mas porque a tirania tecnológica será pesada demais para os anseios irrefreáveis desses autocratas, meros pistoleiros do entardecer, condenados desde sempre a prestar contas à justiça social. Essa justiça social pressupõe uma resistência que abarca os seres humanos determinados a lutar pelo bem-estar do outro. Como disse Antonio Cândido, o grande homem é aquele que descobre quais são as necessidades fundamentais do seu tempo e consagra a elas a sua vida. Os indivíduos livres e responsáveis estão alinhados a esta consigna.

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Estes dias têm sido de leituras fragmentadas e pouca escritura. Visitei mamãe no domingo, pudemos conversar ao longo da tarde sobre a viagem dela com minha irmã até Buganvília. Confesso que me despertaram o desejo de lá regressar, ainda que o cenário seja desolador. Com a morte de minha tia Romina, sobra apenas a tia Neli, em meio a uma cidade transformada. Segundo minha irmã, não há mais nada que lembre a velha Buganvília. Ou nós estamos velhos e a cidade se remoçou, modernizando-se. Não há mais casas de madeira, não há mais ruas sem asfalto ou de paralelepípedos. Muitos dos pontos de referência desapareceram, como a loja de meu avô, ou o clube da cidade. Meu bom tio Rosario, com a morte de sua esposa, ficou solitário na farmácia que sempre teve, na avenida Brasil. Meu romance é um derradeiro chamado àquela cidade que conheci, e minha descrição se remete a um tempo que não mais existe. Talvez agora valha a pena reler o livro e depois retornar a Buganvília.



10 julho 2025

O insondável abismo


Guernica palestina


Se tomamos os acontecimentos cotidianos, identificamos nas pequenas coisas, nos breves relacionamentos a marca funesta das ações tempestivas das decisões geopolíticas, tomadas por lideranças notáveis (no sentido de dominantes) no tabuleiro do xadrez político. Sobressai a violência dos gestos e das palavras, seguidos pelo desrespeito às normatizações diplomáticas, modos bruscos e brutos de modificar relações políticas e que, por extensão, acabam afetando, como comentei no início, o mais singelo dos convívios de cada dia. Por exemplo, o enaltecimento dessas lideranças à xenofobia e por consequência, à deportação forçada. As vítimas são as minorias dominantes, os palestinos no caso de Gaza e Cisjordânia, os latino-americanos no caso dos Estados Unidos. E simultaneamente, a naturalização do discurso discriminatório, pregado contra esses grupos etnicos, consolidando uma reação em cadeia no seio da sociedade, uma reação de descaso, de medo, de rejeição. 

Aqui na Argentina, o discurso do governo Milei procura colocar-se em sincronia com as decisões estratégicas de Trump e Netanyahu, em uma adesão irrestrita ao neoliberalismo agressivo das entidades empresariais, que destroça instituições políticas, políticas sociais, e porque não dizer, o senso público que comunga o sentimento coletivo. Tudo parece voltar-se grosseiramente a uma só compreensão: a competição individualista, a luta pela sobrevivência, e se o sujeito não tem sucesso nesta empreitada, significa que deve fenecer. O problema desse pensamento é desconsiderar a enorme distinção calcada na desigualdade social, a enorme fragilidade de milhões que não conseguiram estabelecer uma plataforma sobre a qual poderiam dar combate em condições de igualdade, ou pelo menos, em condições mais dignas. O grande capital e seus sequazes passageiros partem do sucesso pessoal como o exemplo a ser seguido, miram a beleza de suas salas de estar sem considerar a dolorosa paisagem que se vislumbra pelas enormes janelas. 

Mais do que isso, nesse movimento, o olhar cego investe na desativação de centros de pesquisa, de hospitais especializados, de organismos técnicos do Estado que viabilizam a vida social de um país. O olhar cego não é capaz de visualizar o bem-estar geral que decorre da participação do Estado na existência de uma nação. Prefere cortar impostos (os que os afligem!), cortar gastos, congelar benefícios sociais (bolsas, aposentadorias, investimentos públicos), desativar instituições culturais, sucatear o ensino público e gratuito. Como se estimulassem o olhar que promovem com tanto apuro, o olhar blasé tão característico da alma humana embotada. Como bem disse recentemente um analista uruguaio, es espantoso y cruel lo que nos sucede, estamos en manos de perturbados mentales. Ao menos neste terrível momento da existência de nossa civilização.