Na ausência de ideias mais inspiradas, de palavras menos solenes aos espíritos de serena inquietude, volto-me para os homens de boa vontade, que sem abandonar a leveza de suas manifestações criativas, não renunciaram ao chamamento urgente de seu tempo.
Assim foi com Lorca, que não renegou a ação política necessária, assumindo-se republicano, antifascista, e que nas palavras de Ian Gibson, seu biógrafo, 'apoiou publicamente a campanha eleitoral da Frente Popular em 1936 e considerou sua vitória como a reconquista da República'.
Um dos gestos de seu apoio explícito, encabeçou um documento de apoio à Frente Popular e de rechaço à direita espanhola, então dominante:
(...) "Faltaríamos ao nosso dever se nesta hora de autêntica gravidade política, nós, intelectuais, artistas, profissionais liberais, permanecêssemos calados, sem dar publicamente nossa opinião sobre um fato de tal importância. Todos sentimos a obrigação de unir nossa simpatia e nossa esperança ao que sem dúvida constitui a aspiração da maioria do povo espanhol: a necessidade de um regime de liberdade e de democracia, cuja ausência se faz sentir lamentavelmente há anos na vida espanhola "(...)
***
Desde as adaptações de seus escritos por Carlos Saura para o cinema, sou um admirador do engajamento político de Lorca, de sua prática exemplar de cidadania levada às últimas consequências. Apresento aqui um de seus poemas, escolhido ao acaso, que talvez não seja o mais representativo, mas que não deixa de confirmar a sensibilidade de sua alma poética.
Canção com Movimento
Ontem.
(Estrelas azuis.)
Amanhã.
(Estrelinhas brancas.)
Hoje.
(Sonho flor adormecida sobre a planura da anágua.)
Ontem.
(Estrelas de fogo.)
Amanhã
(Estrelas roxeadas.)
Hoje.
Este coração, Deus meu! Este coração que salta!
Ontem.
(Memória de estrelas.)
Amanhã
(Estrelas fechadas.)
Hoje...
(Amanhã!)
Enjoarei talvez sobre a barca?
Oh! as pontes de Hoje
sobre o caminho da água.
(Extraído de Federico Garcia Lorca, Nova Aguilar. Trad. Oscar Mendes)